A Bala azeda
Ele entrou no ônibus e eu já sabia o que ia fazer: ia dizer que estava sem emprego, que precisava de dinheiro para sustentar a família, que tentava arranjar um trabalho, mas tinha ficha na polícia e não ganhava oportunidade... E realmente ele falou de tudo isso. Eu não quis ser indelicada. Eu realmente sou muito amável, a ponto de não conseguir ser indelicada quando preciso. E minha camisa florida, minha saia bem rodada e meu cabelinho curto deixavam isso bem claro. Então, segurei a bala que ele estava distribuindo de mão em mão, uma de uva azedinha. Não gosto desse tipo de bala, prefiro as doces (de amarga e azeda já basta eu, em alguns dias do mês), mas segurei.
O problema foi quando ele falou que ia deixar as balas como presente para quem teve a humildade de segurar. Eu me senti lisonjeada, mas não queria aquele presente. Era algo que eu detestava e só quem é introvertido-tímido-amável sabe como é ganhar um presente que odeia e não conseguir dizer nada. Eu segurei a bala e esperei pacientemente ele acabar de falar sobre o amor de Deus e sobre ser gentil com as pessoas e sobre não jogar o lixo da bala no chão dos ônibus e sobre... Não consegui prestar atenção no resto. Só conseguia pensar em que destino eu daria àquele presente tão gentil numa manhã de quinta-feira. Eu segurei a bala bem forte e disse pra mim mesma que era a hora de parar de ser tão amável. Era a hora de eu impôr meu ódio por balinhas azedas.
Esperei ele se aproximar e estendi a mão firme mostrando a bala, porém, antes que eu falasse qualquer coisa, ele disse : “não, moça, pode levar, é meu presente.” E senti que ele deu um sorriso gentil por baixo da máscara.
Não sei o que senti. Ele pensou que eu queria devolver o presente que ele tão gentilmente me deu. E eu só queria pedir que ele trocasse a bala azeda por uma bala doce. Mas não consegui e ainda saí como uma moça arrogante que queria devolver o presente da forma mais grossa possível. E agora estou aqui, com a bala em uma mão enquanto escrevo, ainda sem saber o que fazer com ela. Penso que na minha vida é assim. Eu sempre acabo aceitando afetos e pessoas que não gosto na minha vida por ser amável demais. Isso já me causou tantos problemas que uma bala azeda é o menor deles.