Getulina

Getulina, ora, ora, Getulina, como ser o que não foi? Como, de ventre seco, de corpo seco, de alma seca, ter, você, Getulina, invadido cada ser, ter adentrado em cada mente e lá estabelecer sua morada e alterar os sentidos? Como pode, como pode, sem arma alguma conquistar tanta gente? Ora, ora, Getulina, o mundo ficou mais bonito. Com você, o mundo e tudo que nele há, cada árvore, pássaro, rio, inseto...cada serzinho, passou ter mais sentido. O mundo, ah!, vasto mundo, derei, pequeno mundo, pequeno mundo que você tornou grande. Tornou vasto, vasto mundo, igual voce, Getulina, que recebia cada um nós com seus vastos braços abertos. Esse mundo, esse mundo, ficou assim: como seus braços, vasto, escandalosamente vasto.

Getulina, faleceu num dia chuvoso, sem nada de luxo ou mesmo um quarto só seu. Dividia sua vida e sua cama com outras 8 pessoas, igualmente, nascidas de ventre seco. Em comum a miséria, a miséria e o desejo de viver cada dia sem pensar nos males sofridos. Perda de tempo, costumava dizer; em seguida, devolver ao interlocutor "um cafezin?"

Getulina era assim. Simples, porque nascera de ventre seco, de alma seca, mas não deixou que secasse seu coração. Seu coração, seu coração era um mar de bondade. Por exemplo: as 8 pessoas não eram da família; foram chegando, de precisão, sem eira, nem beira. Condenados pela desgracera da vida, sabe-se lá o que podia acontecer, encontraram Getulina. Getulina era assim, se podia ajudar, ajudava. Não perguntava de onde veio, por que veio, se vai embora; não era preciso, respondia quando alguém insinuava que podia ser ladrão, assassino, fugido da justiça. Getulina não ligava pra essas coisas. Deus, dizia, sabe quando vou embora. Ele tem o poder de decidir, então, porque vou atrapalhar minhas ideias com essas coisas? Por que não ajudar quando eu posso ajudar? Ocupar a mente com coisas que nem sei se posso resolver, então, pra que, pra que embrulhar a mente e, com isso, fechar as mãos e o coração? Tem sentido isso, não.

Getulina, faleceu num dia chuvoso, sem nada de luxo ou mesmo um quarto só seu. Faleceu ali, naquele quarto, rodeada de gente como ela, seca de ventre, seca de corpo, seca de alma, de alma porque não dava pra ver, porém, como um oceâno, cheia de bondade. Getulina, ora, ora, Getulina, como ser o que não foi? Como ser amada sem ser rainha, sem ser gente de luxo? Como pode, sem arma, conquistar mentes e lá fazer morada e dar novos sentidos? Getulina se foi. Como uma estrela, brilha em cada coração, em cada ser que abracou. Ah, vasto mundo...pequeno mundo, que ficou grande e vasto, quando Getulina nasceu.