Flores do Pó
 
 
O sol escaldante do mês de dezembro realçava a beleza da estrada entre Cocal da Estação e o litoral piauiense. A estrada parece um labirinto, obrigando os motoristas a manterem atenção redobrada. Contudo, é possível também apreciar a beleza da natureza em sua forma rústica, misturando pedra em formatos únicos, montanhas, ventos e áreas verdes exuberantes.

Quando se faz o mesmo percurso por várias vezes, já não se espera novidades, temos apenas a pressa para chegar ao destino final, pois a rotina impede a renovação da alma, tornando tudo banal.

E, lá estava eu para mais uma viagem de retorno, como tantas outras´que fiz ao longo do ano. Ao chegar no trecho entre os povoados de Lagoa do Camelo e São Domingos, lembrei-me que tem uns buracos na estrada e, por tradição, eu sempre caio no mesmo buraco, mas desta vez eu não cairia. Cai de novo!

Um pouco mais a frente costuma aparecer algumas crianças que tampam os buracos, o que facilita a vida dos motoristas que por ali trafegam, pois são tantos buracos que só cabe ao motorista escolher em qual cairá. Eu nunca dei dinheiro a essas crianças, pois não lembro de deixar em local de fácil acesso e, por medida de segurança, não acho prudente parar para procurar na bolsa.

Mas, era véspera do Natal e, contrariando as questões de segurança, resolvi parar. Eram três crianças, uma menina de 11 anos de idade, um menino de 14 e dois irmão de 08 e 12 anos. Disseram-me que estão sem aulas presenciais e o dinheiro que ganham dão aos pais. Geralmente serve para comprar alimentos, gás e até o remédio do avô de um deles.

Elas ficam dentro do mato debaixo de alguma árvore, pois o sol do interior do Piauí é tão intenso que, ao meio dia, tenho a sensação que o sol treme de tão forte! Assim que veem um carro se aproximar, elas pegam as pás e começam a jogar areia nos buracos. As pessoas costumam jogar algum dinheiro pela janela.

Mas, talvez, poucas tenham visto o espetáculo da inocência que vi: naquele instante, houve uma forte ventania, decorrente da mistura da aridez do sertão com a brisa do mar, e  a areia se soltou dos buracos formando redemoinhos, as folhas das árvores beijavam o chão como se fosse uma dança orquestrada; enquanto isso, as crianças sorriam desafiando o vento, eram os sorrisos mais puros do mundo! De gratidão e alegria, sem condicionamento algum.

Bem… eu não podia ficar ali desafiando o redemoinho... continuei minha viagem com um sorriso radiante que há muito não sentia, o sorriso da minha inocência há muito perdida e reencontrada por alguns minutos nos sorrisos daquelas crianças, pequenas flores no meio do pó da estrada.



Imagem do Google.