FACADA MALDITA ("Não dê chance para essa esquerda. Eles não merecem ser tratados como pessoas normais, como se quisessem o bem do Brasil, isso é mentira" — Jair Bolsonaro)
O calor sufocante daquela tarde de verão parecia acentuar ainda mais a efervescência que tomava conta da pequena cidade de Senador Canedo. Sentado à sombra fresca do meu velho cajueiro do quintal, eu observava, atordoado, o burburinho de vozes exaltadas que se erguia da rua muito congestionada. Era como se uma febre coletiva houvesse se apoderado dos ânimos, fazendo ferver as paixões e os ímpetos revolucionários. Tratava-se de uma carreata patidária de direita.
Desde cedo, fui ensinado a respeitar as autoridades e a ordem vigente, aceitar meu posto com humildade e devoção. Afinal, como bem diziam as Escrituras Sagradas, "não há autoridade que não venha de Deus". Porém, naquele instante de agitação social, tais preceitos pareciam frágeis diante do clamor que ecoava pelas ruas pretas de alfalto.
"Odiar as autoridades e matar os ricos resolverá nossa pobreza!", bramia um dos revoltosos, os olhos febris cintilando ao sol inclemente. Suas palavras vibravam no ar como lâminas afiadas, cortando as certezas que sempre me serviram de amparo. Era uma ideia tão desconcertante quanto repugnante, e ainda assim, eu sentia uma pontada de dúvida se insinuar em meu ser.
Pois, por mais que a figura do nosso líder máximo, o presidente Bolsonaro, despertasse em muitos a esperança de um novo alvorecer livre da corrupção endêmica, para outros ele representava apenas mais uma face sombria da mesma velha monarquia opressora. E eu me via perdido nesse emaranhado de contradições, buscando desesperadamente encontrar meu norte.
Remexendo em minhas lembranças, a imagem de meu falecido pai se fazia vívida. Lembro-me bem de seus semblantes cansados após mais um dia extenuante de labor, quando ele me dizia que servir ao rei era contribuir para a paz, por mais adversidades que precisássemos suportar. Uma lição que parecia tão simples, mas que agora se mostrava espinhosa demais para minha mente atribulada.
Pois como poderia fechar os olhos para as injustiças que grassavam a nossa volta? Nas salas de aula, era voz corrente que notas eram compradas e vendidas em negociatas escusas, transformando o que deveria ser um ambiente de aprendizado em um mercado de favores e manipulações. O sistema que deveria elevar nossas mentes às verdades supremas se mostrava mais um terreno fértil para os abusos e as distorções. https://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2018/10/02/professor-e-preso-suspeito-de-abuso-em-alunas-criancas-em-manaus.ghtml (acessado em 15/06/2024).
E era assim que eu me encontrava, oscilando entre a devoção cega às autoridades constituídas e o ímpeto rebelde de contestar tamanha hipocrisia institucionalizada. Poderia eu, em minha insignificante existência, ousar desafiar as verdades que sempre me foram impostas? Ou deveria, qual ovelha dócil, apenas aceitar meu amargo quinhão com resignada passividade?
Ao declinar do sol naquela tarde tumultuada, quando os ânimos começaram a se acalmar, eu permanecia sentado, meditando. E naquele momento de relativa quietude, uma certeza começou a despontar em meu ser: o caminho da verdadeira paz e do progresso não reside nem na submissão cega, nem na revolta cega contra a autoridade. A verdadeira iluminação encontra-se no equilíbrio, no questionamento construtivo, na busca incansável por um mundo melhor, mais justo e igualitário para todos.
Pois, afinal, não somos meros súditos inertes, mas agentes da própria transformação social. Cabe a nós, com integridade e coragem, enfrentar as mazelas que nos afligem, buscando reformas que restituam a ética, a honestidade e o real bem-estar coletivo. É apenas dessa forma que poderemos erguer uma nova era de prosperidade autêntica, onde as autoridades sejam verdadeiros líderes a serviço do povo, e não opressores de seus próprios irmãos.
Essa é a mensagem que levo em meu coração: a de não odiar nem idolatrar cegamente, mas sim refletir, questionar e lutar por dias melhores. Pois só assim a chama da verdadeira liberdade poderá brilhar, iluminando o caminho para um amanhã mais nobre e esperançoso.
Questões Discursivas sobre o Texto:
1. Entre a Submissão e a Rebeldia: Encontrando um Equilíbrio para a Transformação Social
O texto nos apresenta um homem dividido entre a submissão cega às autoridades e a rebeldia contra a hipocrisia institucionalizada. A partir dessa reflexão, discuta como podemos encontrar um equilíbrio entre esses dois extremos para alcançar a verdadeira paz e o progresso social.
a) Quais são os principais argumentos utilizados pelo autor para defender a necessidade de questionar as autoridades?
b) De que forma o autor refuta a ideia de que odiar as autoridades e matar os ricos resolverá os problemas sociais?
c) Que papel a educação pode desempenhar na busca por um mundo mais justo e igualitário?
2. Fé e Razão: Uma Caminhada em Busca da Iluminação
O texto também explora a relação entre fé e razão na busca por um caminho de vida autêntico e significativo. Discuta como o autor concilia sua fé com a necessidade de questionar o status quo e buscar mudanças sociais.
a) Como a fé do autor se manifesta em suas reflexões sobre a situação social?
b) De que forma o autor utiliza as Escrituras Sagradas para defender sua posição?
c) Como a experiência do autor com seu pai o influencia em sua busca por um equilíbrio entre fé e razão?