ASFIXIA

Sinto-me cada vez pior, com o passar das horas. Há três dias, quando falei dos meus sintomas a familiares, ameaçaram vir aqui. Recusei. Melhor levarmos a sério o isolamento. Hoje a situação se agrava. Levanto-me a custo. Sem ânimo para banho, troco de roupa, pego a chave do carro e vou até a garagem. Sento-me ao volante, mas sinto que não tenho forças para dirigir.

Esgotado, mal consigo chamar um carro de aplicativo. Mando tocar para o João Lúcio, hospital mais próximo da minha casa. O motorista me descarrega na porta da emergência, pega todo o dinheiro da minha carteira e desaparece.

Sou recolhido por alguém que julgo ser um enfermeiro e arrastado para um corredor, onde me põem sob uma maca. Meu estado se degenera rapidamente. De início, minha voz ainda sai da garganta e eu imploro por ar. Aos poucos, porém, vou perdendo as forças e minhas emissões não vão além de uma sílaba. De onde estou, vejo apenas as pernas dos profissionais de saúde, que passam para lá e para cá, numa azáfama desenfreada! Em dado momento, identifico as botinas de alguém que imagino seja da limpeza. A pessoa corre com um balde, dá um tropeção e derrama no meu rosto um líquido que me provoca forte ardência na pele. Meus sentidos estão embaralhados, mas o cheiro que sinto é de água sanitária. Minha respiração está cada vez mais caótica. Tento gritar, pedir ajuda para respirar, mas meu sistema fonético já não obedece. Só meu cérebro ainda grita por oxigênio.

Perdi a noção de tempo. Não sei há quantas horas estou aqui. Nem sei se ainda estou vivo. Suponho que sim, porque penso: "De que me valem as 17,5 t de atmosfera que me correspondem nesse latifúndio, se não consigo ar para abastecer minimamente os meus pulmões?". Envido um último e desesperado esforço para virar-me e sair de sob a maca . Quem sabe se lembram de mim? Consigo projetar metade do corpo para fora e fico de bruços, parte embaixo da maca, parte em pleno corredor. Desmaio.

Desperto sobre um leito hospitalar. Três ou quatro pessoas trabalham freneticamente, conectando-me a aparelhos por um emaranhado de fios. Alguém grita uma ordem: "Intubar". Mas, de repente, a imagem congela. E minhas retinas registram, como última lembrança deste mundo, quatro pares de olhos arregalados, cravados no meu rosto de defunto.

José Luiz Barbosa de Oliveira
Enviado por José Luiz Barbosa de Oliveira em 16/01/2021
Reeditado em 18/03/2023
Código do texto: T7161496
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