A EXPLOSÃO
Manhã de sol no outono de 1958, entre 9:30 e 10:00h.
Eu me preparava para iniciar mais um dia “de não fazer nada”, como todos os meus dias de adolescente. Minha mãe iniciava a preparação do almoço enquanto eu começava a arrumar meu quarto, quando ouvi fogos espocando ao longe, lá para os lados da Via Anchieta.
Não era comum soltarem fogos durante a semana; ainda mais numa segunda-feira àquela hora da manhã.
O que causava maior curiosidade, era a grande quantidade de rojões que explodiam simultaneamente cada vez mais intensamente; foi aí que uma tremenda explosão fez tremer o chão, fazendo vibrar as pesadas janelas de guilhotina de meu quarto.
Saímos, minha mãe e eu, correndo para o jardim e encontramos na praça fronteiriça à nossa casa, minhas tias e vários vizinhos que saiam assustados para a rua.
Alguns fogos ainda se fizeram ouvir espaçadamente. Segundos depois um silêncio profundo tomou conta de tudo. Apenas ouvíamos um bando de pardais que, amedrontados pelo barulho, revoavam sobre os telhados das casas, indo abrigar-se nas árvores da praça; e o comentário das pessoas que iam se agrupando e levantando as mais esdrúxulas hipóteses para o ocorrido. Da direção da explosão, subia uma nuvem de fumaça e poeira misturada a detritos e papéis que subiam num redemoinho e se espalhavam pelo ar.
Podia-se “ouvir” o sol amarelo coando-se através da fumaça. Todos olhavam atônitos para a nuvem de fumaça num silêncio angustiante.
As pessoas que moravam na Rua Abranches de Moura e nos dois quarteirões abaixo dela, na Rua Simão Lopes, foram as que mais sofreram com o deslocamento de ar que estilhaçou vidraças e derrubou armários, nas baixadas da Vila das Mercês. A irmã da dona Romilda, Ivone, morava nessa região. Seu marido, o Santo, encontrava-se doente, acamado e quando o guarda-roupas de seu quarto foi deslocado da parede e precipitou-se sobre a cama onde o pobre homem se achava, felizmente teve suas portas abertas, o que fez com que o pesado móvel se enroscasse na máquina de costura, o que impediu que fatalmente esmagasse o doente em sua própria cama.
As pessoas iam chegando assustadas e contando os estragos causados pela explosão. Na casa de minha tia Helena, o vitrô do banheiro, que se encontrava fechado, teve dois de seus vidros quebrados.
O que seria aquilo? A eclosão da 3ª Guerra Mundial?
Senti um medo muito grande.
Meus primos, Zé Ricardo e Amadeu, foram correndo até a altura onde hoje fica o Colégio Regina Mundi, na Via Anchieta, para ver se descobriam a causa da explosão e logo vieram contando que uma fábrica de fogos de artifício, situada para os lados da Rua Alencar de Araripe, fôra pelos ares.
Mais tarde, fui com minha mãe, minhas tias e meus primos, até à Via Anchieta. Onde ficava a fábrica de fogos, agora só havia uma enorme cratera fumegante.
No ar ainda se sentia um cheiro de pólvora queimada.
O céu enfumaçado de agosto dava um aspecto de Fim-do-Mundo... sirenes ao longe indicavam que procuravam ou socorriam vítimas... quantas seriam?
Soube-se depois, que a tragédia aconteceu quando um de seus funcionários entrou correndo e escorregou com o sapato de sola de couro, num resto de pólvora que estava secando ao sol, provocando assim a detonação de toda a produção, de uma só vez; fazendo com que dois funcionários simplesmente desapareceram despedaçados pela explosão e provocando ferimentos em outros.
O número de vítimas só não foi maior porque às 9:30 havia uma pausa para um lanche e só os dois desafortunados se encontravam dentro da fábrica: um deles, era deficiente físico e não conseguiu sair a tempo e o outro, foi o causador da explosão.