Sumiço de marido

Quando acordou já havia passado do ponto. O sono pesado, o movimento do ônibus e o cansaço... Havia um começo de chuva. Na volta subiu aquela mulher madura e bonita. Olhamos-nos e ela sorriu com delicadeza.

- Vai desembarcar na Quinta?

- Sim. Respondeu. Lacônica.

De repente nervosa apontou para um homem passando na rua molhada. Levantou-se gritando pela janela.

- Medeiros! Medeiros!

Vi também o homem. Guardei sua foto na memória. Trajava terno, gravata, sapato branco. Carregava a bolsa verde com ar perdido entre transeuntes. Parecia sofrido. Escutei o grito de mulher atordoada ao meu lado. Desconcertado fiquei com o seu corpo bonito sobre mim trescalando almíscar.

O ônibus prosseguiu. A cena quebraria no silêncio forçado os fragmentos das explicações, das lamúrias... Mas não. Disse sucinta.

- Era meu marido.

- É separada.

- Sim. Meu marido fugiu. Era ele.

- Deixou a casa sem dizer nada?

- Da noite para o dia. Desapareceu. Fugiu.

- Sinto muito.

- Um dia vieram dizer que o Tavares havia deixado ferramenta na casa da filha Margot do primeiro casamento. E uma bicicleta na casa da outra, advogada, Helena.

- Então foi sem dizer nada?

- É. Sem dizer nada. Podíamos ter conversado antes, que a gente não é bicho!

- Contudo nada disse.

- Não. Fiquei sozinha esperando que ele voltasse um dia.

- Ficou em casa? Sozinha? Sozinha...

- Sozinha na mesma casa, no mesmo lugar, durante longo tempo fiquei apenas esperando.

- Coitada.

(Murmurei sem a menor graça).

Prosseguiu.

- Muitos anos se passaram. Certo dia reapareceu no portão. Não sei se por solidão, saudade ou piedade. Estava com fome. Jantou e comeu e bebeu e depois voltou a sumir. Era ele.