FESTIVAIS DE (sustos e) CANÇÕES !
FESTIVAIS DE (sustos e) CANÇÕES
"Já vi o bote que a cobra dá, / já curti
muito veneno... / sou filho da madrugada
/ e amigo do sereno"! - MESTRE ANDRÉ
(trecho de samba classificado no 4º
FEMUCAB, em Belém, SESC, 1987)
Festivais são coisa rara em minha vida, tenho pavor de palcos, fui "enfiado" neles quando criança e não gostei nem um pouco da experiência. Essas passagens estão contadas em trecho das extensas crônicas "Os Micos que Vivi" ou, talvez, em "Só Acontece Comigo". Como lá se foram dez anos, não me custa relembrar os fatos ligados á Música, todos em Belém, acredite quem quiser ! Ainda jovem, no Rio, decidi participar do primeiro festival de samba, promovido por uma cervejaria, quero crer que a Brahma, isso por volta de 1971/72 eu acho, ignoro se a Antártica já existia. E lá fui eu atrás de um músico, não toco uma nota sequer e gaita "só de orelhada", como diria o "galalau" de um "Boizinho picareta" desta Santa Maria de Belém do Grão-Pará. Encontrei -- só Deus sabe como -- um jovem violonista de talento, lá pros lados de Laranjeiras ou Cosme Velho, numa ladeira, que me fez um arranjo excepcional, inesquecível ao estilo Paulinho da Viola. O samba dolente, curtinho, foi selecionado... fiquei sem dormir 2 dias, o palco à minha frente, milhares de olhos me fitando curiosos. Nem compareci às reuniões do evento, minha "grana" acabara na gravação inicial, não tinha como pagar o rapaz para me acompanhar no festival.
Em 1987, agora em Belém após quase 3 anos em Vigia, eis que surge no SESC-Doca o 4º FEMUCAB - Festival de Música "CANTA BELÉM", o derradeiro até onde sei. Felizmente davam Banda, nada menos que o filho do famoso maestro Orlando Pereira. Sofri horrores, fôra classificado e teria que enfrentar um palco novamente.
A empresa de som, toda atrapalhada, não conseguiu terminar a sonorização no primeiro dia, os concorrentes todos dispensados. Voltamos na tarde do novo dia, 24 músicos e Bandas para "passar o som" numa tarde-noite, dá para acreditar ? As horas passando e meu nervosismo aumentando... não havia ônibus depois das 23 horas, teria que "dormir na rua". Lá pelas 22 hs desisti, ía enfrentar o público sem o ajuste ideal do microfone para o volume da minha voz. Festival em 2 dias, de graça, ginásio lotadíssimo e com torcidas.
Com meu irmão e um amigo na platéia, combinei acenarem se eu estivesse "berrando" ao microfone... ledo engano ! As luzes do palco me cegaram, não consegui ver ninguém nem nada à minha frente. Ensaiara "uns passinhos" de carimbó no banheiro, um carioca que nem sambar sabe. Não tentei coisa alguma, entrei no palco imenso "pisando em nuvens", sem sentir o chão.
O músico Paulo Pereira -- que fizera um arranjo genial (no piano, em sua casa) -- entrou com outra melodia. Meu cérebro "meio anuviado" acordou... com a mão nas costas sinalizei e êle trocou-a pelo meu "sambarimbó" ! A apresentação deve ter sido um vexame, não lembro de um segundo sequer... fui o último na classificação geral e, como frequentava o SESC em razão da Capoeira, fiquei um bom tempo sem lá aparecer.
Nesse mesmo palco, 3 anos depois, eu "pagaria" novo vexame, agora com rock, meu irmão num atabaque (?!), ao invés de bateria. Essa história está no "MICOS", quem quiser conhecê-la terá que ir até o RECANTO DAS LETRAS. O belo "VARIA&ONS" era projeto do músico Ferrari Jr, nome muito injustiçado pelos que andaram contando a história DO ROCK em Belém, 3 ou 4 edições inesquecíveis. Começou no CENTUR, em 1988 eu acho e findou nesse evento no SESC da Doca, porque lá quebraram 1 porta de vidro do centro cultural. Ferrari reunia de 15 a 20 Bandas de rock alternativo, com pouco ou nenhum patrocínio, isso depois do "quebra-quebra" na praça W. Henrique,que virou notícia internacional.
Nesse "Varia&ons" a platéia "se divertiu um bocado" às nossas custas... treinei solo de gaita e o guitarrista do "quinteto maluco" não me deixou espaços, estava "doidão", "fizera a cabeça" no banheiro. Ferrari se sentiu enganado, eu o convencera que o pessoal tinha talento... e tinham, antes do sujeito fumar "um cigarrinho sem marca" ! Nos dispensou "na marra", sem cantarmos a segunda obra, o público às gargalhadas berrando "é o vampiro brasileiro", refrão da canção inicial. (*1) Ferrari Jr era músico tarimbado, me recebeu com carinho e tinha interesse pelo som do berimbau... não o procurei mais, "falta de vergonha na cara" tem limites, pelo menos no meu caso !
E chegamos ao bairro CIDADE NOVA, onde "pago meus pecados" desde agosto de 1986... o radialista Juscelino Ramos, "Mister Simpatia" (*2), um "gentleman", músico dos bons e ótimo comunicador levava uma caminhonete para o centro da praça principal do extenso Conjunto Habitacional de 8 "partes", patrocinado pela "Papelaria ANASTÁCIA". O bairro tem umas coisas "esquisitas": certas palavras viram MODA e "batizam" todo tipo de comércio... adiante seria Adonais, Salmo 23, El Shadai, Shekinah, Joshuah e vai por aí ! Nessa praça, na mesma época, de noite, assisti estupefato a um desfile DE MODA, meninas do bairro, vaiadas e achincalhadas por seus colegas de escola e até amigos, o momento de MACHISMO mais tenebroso que presenciei.
Voltemos à caminhonete... Juscelino trazia a sua Banda "Vôo Livre" e quem tinha coragem "subia ao palco". Decidi declamar 1 cordel... idéia infeliz ! Bisnetos, netos e até filhos de nordestinos -- que formam o povo neste Estado -- danaram-se a me vaiar ! Nesse caminhão e ano, 1987, êle promoveria o primeiro Festival de que se tem notícia -- "Espaço Aberto para o seu Talento" -- do qual acabei como um dos finalistas, tendo o baterista dessa Banda "quase arrasado" com meu samba dolente. Jamais entendi aquilo...passou por mim depois em várias ocasiões, num triciclo vendendo peixes e eu sem coragem para questioná-lo.
O projeto teve eventos em diversas praças -- tudo pelo esforço de Juscelino -- e final na praça central da Matriz numa noite de sexta-feira eu acho, tendo por público somente os estudantes das EPs próximas.
Apresentados todos os concorrentes, alertei os jurados que certa Banda (de paróquia na C.N. 8) fizera plágio,a MELODIA era a da "Flores Astrais", dos Secos & Molhados.
-- "Ficasse eu tranquilo, iam julgar só a letra" !, respondeu o "chefe" do júri, esse mesmo "radialista" que agora dá nome a um PRÊMIO para mestres de Capoeira, de Ananindeua. Eis que sai o resultado... grossa "marmelada" ! A Banda da garotada não só venceu o festival, como levou ainda o prêmio de "melhor arranjo" pro plágio descarado ! Mas, de "marmeladas" eram feitos boa parte dos festivais em Belém... e de PROTESTOS também ! Naquele do SESC, a Banda que ficou em terceiro lugar -- com "Bananeira Mangará" -- merecia o primeiro e o vencedor, um certo Walter Freitas com um "monólogo gemido em tupi-guarani", nem se classificaria. Com os jurados todos usando maquininhas de somar, mesmo assim não chegaram a um acordo: meteram-se numa sala por hora e meia e vieram com a "novidade" absurda. A Banda CHAMMA, muito boa, participou do festival !
Voltemos ao meu... saí furioso, tinha trazido um grupo lá da Vigia, certo de que venceriam ! Fiz uma carta furibunda aos jornais, chamando o júri de "circo", havia um palhaço famoso na época, entre os jurados. Pouco depois o Banco da Amazônia faria o seu, em 1989 eu acho, promessa de LP ao final. Deu uma confusão dos diabos, com Grande Otelo largando o júri pelo meio, "estava ficando surdo !", alegou. Quando soube do resultado no hotel, deu o veredito: "a terceira é que deveria ser a primeira" ! Me parece que o campeão (?!) levara boneca gigante ao palco e "sambara" com ela, "teatro" no lugar de música !
Não classificamos belo "reggae", canção gravada em casa, só atabaque, berimbau e violão... não podia dar certo !
Já em 1990/91, dupla meio sertaneja formada com o seresteiro do bairro, Abiezér Silva, nos inscrevemos no I Festival da Canção Mariana, regulamento "global", se apossando "de tudo" ! Aceitamos assim mesmo, as canções do me parceiro eram invencíveis ! Triste ilusão !No primeiro dia, descemos a escadaria do teatro do SESI cumprimentados pela multidão. No segundo dia, mais aplausos, agora dentro do Teatro... era preciso aguardar a "confabulação" dos 5 ou 6 jurados, um deles advogado da COHAB, eu numa guerra-aberta contra a estatal (pelos jornais), com relação à Capoeira.
Hora do resultado: se todo o teto nos caísse na cabeça ficaríamos menos surpresos... optaram por classificar só as Bandas das paróquias, os "JUCÁs", movimentos cristãos e "quejandos". Voltaríamos no terceiro dia (era de graça, entrada franca) para o suplício final: numa sessão de terror, "peças de Teatro barato" no palco, com cruzes e gritaria, roupas "a la Judéia" e pouca música. Felizmente não fizeram disco "daquilo" e, após um segundo evento, a "tortura" findou. "O Mal por si mesmo se destrói !", profetizaria um amigo poeta.
Naqueles tempos, anos 90, Belém "se protegia" escandalosamente. Se você não fazia parte da "ciranda-cirandinha", se não era da "panela" da MPP ou do Teatro ou do Rádio ou do Rock... não tinha a menor chance de realizar coisa alguma ! Ou você era APRESENTADO por alguém "do meio" ou "quebraria a cara", onde quer que fosse. O fato é que larguei de mão os festivais e, até quando tentava fazer 1 boa fita cassette para algum Festival lá fora, esbarrava na má vontade de músicos. Eu "não era do meio"... mesmo oferecendo pagamento "me deixavam na mão" ! Falando nisso, paguei regiamente funcionário do SESC-Doca pra me fazer cópia em cassette do meu primeiro festival... entregou-me a C-60 cheia, com todas as músicas classificadas, MENOS A MINHA, é claro !
"NATO" AZEVEDO (em 9/jan. 2021, 16hs)
OBS: (*1) - o autor, ARNALDO ALCÂNTARA, pode ser encontrado no FACE, ainda produzindo e bem seus belos "bregas".
(*2) - convenci JUSCELINO RAMOS a me dar seu único LP (com a música "Morena"), que levei para a Rádio CULTURA. Creio que nunca o tocaram lá, deve estar "perdido" no imenso acervo dela.