Relações cruzadas
Na casa de uma amiga, algumas mulheres conversavam sobre seus relacionamentos, e como principiante em casa de jogos de azar fiquei observando. Vai que um palpite dê errado, e eu perca a oportunidade de ficar calada. E a conversa fluía a todo vapor, saia fumaça daquelas cabeças pensantes.
As partículas de choque de culturas se chocavam num ritmo alucinante, opiniões que pareciam mais trovoadas de verão. Um raio de loucura e insanidade afetaram o clima das amigas. Um duelo de experiências e modo de pensar. Cada uma teve sua sombra de paz, e seus dias de tempestades, e para quem nunca se casou, ouvir tantas lamentações e conselhos, não dava vontade de sair nessa chuva de arrependimentos.
Helen teve seu casamento desfeito por uma mulher mais viçosa e por certo, menos responsável; Luizinha desconfiava das viagens desprogramas de seu infiel marido; Mine sentia-se indesejada e sem apetite sexual e, MJ, a rainha do barraco contava sua técnica para a longevidade do casal. Inclusive, fazia vista grossa para as puladas de cerca.
Defendia a masculinidade, e pregava que, quem quer um homem só pra si, faz de barro. Aceitação passiva, anulação de gênero e conformismo social, isso sim. Helen falava que nada melhor que peças íntimas sensuais, óleos calientes, Kama Sutra e sexo compulsivo. Como se a receita fosse infalível, e as profissionais de sexo estivessem bem casadas.
Mine se culpava pela dedicação exclusiva aos filhos, e o cotidiano corrido não permitia melhorar a aparência. 42 anos de idade, e ainda não percebeu que somos descartadas como cartas fora do baralho, independente do naipe. A cultura da sociedade machista cria o mito do macho-alfa e sua infinita saga de auto-afirmação.
Gostaria que essa teoria disparitária reforçasse os valores morais e éticos. Luizinha resumia tudo na academia, um corpo atlético, botox e plásticas amarravam qualquer marido. Pelo visto, o dela era cego. Mas careca, pançudo e disponibilidade integral no trabalho, com certeza. Fico matutando, e não vejo lógica nesses esforços e anulação pessoal.
Não sei quem foi esse filho da pulga atrás da orelha que estabeleceu isso. Que a mulher para estar bem, casada e ser aceita, teria que realizar milagres. Que casamento é status. Que para ser feliz tem que submeter-se às situações degradantes e inaceitáveis. Que homem é sinônimo de felicidade. Que manter-se jovem, apetitosa, omissa e calada é condição para uma vida plena. Os ânimos ficaram alterados, o silêncio veio a galope e eu saí como entrei, taciturna.