MANCHA MORAL
            Dona Cotinha levou um susto quando sua filha caçula confidenciou-lhe que estava grávida. Como pôde acontecer aquilo? Rosilda sempre fora uma moça recatada, prendada, de bons costumes. Afeita ao hábito saudável da leitura. Aos domingos auxiliava com as crianças na escola dominical da igreja Batista que frequentavam. Estava com dezenove anos e há dez meses no seu primeiro emprego. Tinha conseguido uma vaga no escritório do posto São Cristovão, de propriedade do Dr. Gabriel, que também era advogado e amigo da família. Moça bonita, logo atraiu a atenção dos funcionários e clientes do posto, principalmente de Valtinho, filho do dono, vinte e oito anos, casado, bonitão, faceiro e mulherengo. O assédio teve início logo após a admissão da moça. Olhares lânguidos, uma caixa de bombons, uma rosa, conversa de cerca Lourenço. A moça aos poucos sentiu bambearem as estruturas de sua resistência. Era um homem muito gentil e atraente. Ela, cuja única experiencia de namoro se resumia a uns poucos “amassos” nas sessões do cine Regina com um garoto do bairro ficou facilmente encantada. Ainda ostentava a condição de virgem, o que escondia de suas amigas por puro constrangimento. “Eu nesta idade devo ser a única no Brasil que ainda não ultrapassou esta barreira” pensava ela. Tinha muitos pretendentes e propostas, mas era excessivamente tímida. Agora aparecia na sua frente aquele príncipe. Casado, mas ainda assim um príncipe. Resistiu por algum tempo, mas Valtinho era um galanteador esperto e paciente e foi regando a situação com mimos e palavras doces. Em um dia chuvoso propôs leva-la até sua casa para evitar que ela pegasse o ônibus com aquele tempo horrível. Rosilda aceitou, aliás já vinha esperando uma oportunidade daquelas. Pararam no caminho, tomaram uns drinks e, aí tudo aconteceu segundo o manual de sedução, “consumatum est”, caiu a barreira da virtuosa Rosilda. Aquele romance clandestino já durava quatro meses quando de repente veio a bomba. Desconfiada dos enjôos frequentes e do atraso menstrual Rosilda fez o teste e confirmou o que ela praticamente já sabia. Agora, ali diante da mãe, aflita e insegura começava a enfrentar as consequências de seu ato. “Você não vai ter vida fácil minha filha. Ainda bem que seu pai não está mais aqui para passar esta vergonha. E agora, o que pretende fazer?”, a moça insegura e confusa disse que não tinha a menor idéia e que iria comunicar ao amante e decidir em conjunto. No mesmo dia Rosilda contou a Valtinho que esperneou, negou que o filho fosse seu. “Mas você é o único homem com quem tive intimidades”, e ele furioso disse “Não quero saber, não vou estragar meu casamento por um filho que pode nem ser meu. E para encurtar a conversa só te darei alguma ajuda se for para tirar essa criança, ela não pode nascer, vai ser complicação para todo mundo, vou procurar alguém para fazer esse aborto”. Rosilda saiu decepcionada e arrasada. Como alguém pode ser tão cruel, pensava ela chorando na volta para casa. Era uma situação inusitada para ela, sua cabeça estava em parafuso. Saltou do ônibus duas paradas antes da sua. Não tinha pressa de chegar em casa e enfrentar novamente sua mãe. Já eram quase sete da noite, quando se viu diante de uma igreja, era um templo católico, mas entrou assim mesmo, afinal Deus é um só. Sentou-se no último banco, ao lado de uma senhora que já estava ali. A senhora olhou para ela sorrindo e a cumprimentou de maneira acolhedora. Vendo que Rosilda chorava, aproximou-se e passando a mão pelos seus cabelos disse suavemente: “Haja o que houver em sua vida, lembre-se que você nunca estará sozinha. Há sempre a quem recorrer, basta olhar para cima”, abraçou-se a ela por algum tempo, depois levantou-se e foi embora sem se despedir. Rosilda ficou ali mergulhada numa espécie de transe. Envolvida por uma profunda paz, e uma calma que há muito não sentia. Uma hora depois chegou em casa com uma decisão tomada. Teria seu filho com ajuda ou sem ajuda daquele homem. Abraçou Dona Cotinha e disse que nem consideraria a proposta do amante para praticar aquele ato infame. A velha senhora emocionada disse “Conte com sua mãe para o que der e vier. Sua decisão foi de grande sabedoria minha filha vamos procurar legalmente seus direitos, mas jamais fazer uma barbaridade destas”. Realmente não tiveram vida fácil como sua mãe previra. Após um teste de DNA realizado a pedido da justiça, Valtinho passou a pagar a pensão alimentícia do filho. Embora não cubra todas as despesas, é sua obrigação legal e moral. – Hoje, dez anos depois, toda vez que vê seu filho sorrindo, Rosilda se lembra daquela misteriosa senhora que encontrou na igreja e que apesar de ter voltado lá várias vezes, nunca mais voltou a ver. Teria sido um anjo? Um enviado de Deus para orienta-la?

     Existem milhões de Rosildas aí pelo mundo. A maioria, sem orientação adequada, tomam o caminho da escuridão. Além de matar seus fetos acabam matando parte delas próprias, pois nunca mais se livram do sentimento de culpa.
Al Primo
Enviado por Al Primo em 13/01/2021
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