O Tesouro da Juventude
Segundo o relato de minhas tias, muito antes de saber ler, aprendi a desenhar as letras. Juntava várias delas e ficava a perguntar-lhes o que estava escrito. Mamãe foi minha primeira professora, a ela devo o gosto e o amor aos livros. Ela era professora e uma exímia alfabetizadora que tinha o costume delicioso de ler para os seus filhos.
Nada no mundo era mais agradável do que as horas após o jantar, quando mamãe reunia os filhos ao seu redor e lia para nós os contos, as poesias, as aventuras e curiosidades da enciclopédia “O Tesouro da Juventude.” Eram dezoito volumes recheados de verdadeiros tesouros entre suas capas. As ilustrações da contra capa fascinavam-me e quando aprendi a decodificar as palavras, aqueles dezoito volumes tornaram-se meus melhores amigos.
Todas aquelas histórias, fotos e ilustrações transportavam-me para um mundo paralelo cheio de sonhos e fantasias. Um dia eu era Lady Godiva a cavalgar em pelo, no outro era uma fada ou uma artista plástica famosa como Leonardo da Vinci, pintando a sua Mona Lisa. A enciclopédia era dividida em livros e em cada época de minha infância elegia meus preferidos, começando com o livro dos contos, claro, e depois partindo em novas aventuras através das outras categorias. Cedo deparei com a poesia e esta me enfeitiçou. Fui descobrindo que as palavras podem guardar segredos, ganhar múltiplos significados e que as entrelinhas também podem dizer muito.
Uma vez participei de um concurso em um jornal da cidade. Era uma redação sobre o dia das mães. Ganhei uma menção honrosa e todos diziam para minha mãe que não ganhei o concurso porque a comissão julgadora não acreditou que uma criança havia escrito aquele texto. Não fiquei triste, aquelas palavras “menção honrosa” pareciam tão legais, tão imponentes, e o fato de dizerem não acreditar que eu pudesse ter escrito o texto também me dava certo “ar de superioridade.” Bobagem, claro, mas na minha mente infantil isso era muito importante. Foi um estímulo também porque passei a escrever diários, poesias e a ler até bulas de remédio.
Minha gratidão e carinho à enciclopédia que me levou ao mundo das palavras. Meu amor por ela fez com que a herdasse e hoje ela está na primeira prateleira de minha estante, como uma espécie de troféu. Algumas vezes tomo um de seus volumes em minhas mãos e retorno àquela sala na casinha de madeira, lá no bairro onde nasci e posso reviver aquelas noites, após o jantar, onde uma mãe reunia os filhos ao seu redor e os levava para muitos mundos através das palavras.