A NAVALHA RITUALÍSTICA ("Eu preciso muito deixar acontecer o momento da renovação, trocar de pele, mudar de cor." — Caio Fernando Abreu))

Metaforicamente, sou eu quem tem a função da raspagem neste meu tempo! Certamente, ainda que me prenderam em uma casa solitária, fiz um buraco na porta, no qual me cabia, saindo para o mundo representar a navalha poderosa que usei. Busco cumprir minha responsabilidade, porque uma grande necessidade me chama para alisar, cortar e raspar as asperezas. Amigos da escola não me esperam para me conduzir ao teatro, pois eu era o palhaço do circo. Não me viram como importante para eles, procurei-os, porém não os encontro mais a pandemia nos distanciou. tive que encontrá-los em algum lugar, apesar de não saber aonde ir, então fiquei apenas a esperar ninguém no ponto dos ônibus. No auge do meu desespero, vieram os amigos da igreja conduziram-me ao teatro, porque era tempo do ritual, o cenário já montado, onde tudo começara, estava no centro, o bolo ornamentado, boiando na bacia com água, e galhos de rosas emergidos num batismos sagrado à vista dos espectadores. Cheguei a tempo e meio perdido, perguntei em voz alta a quem quer que quisesse responder: o que devo fazer? Só diga — respondeu alguém: "Eu sou a Navalha..."

            Parece não ter nada a ver, mas quando acordei do sonho, fui pesquisar o significado ritualístico da navalha.  Ok, Google! — o que é uma navalha? — "Objeto semelhante a um canivete, que abre e fecha, especialmente afiado, como uma gilete, usado em tempos idos, para raspar a barba e cabelos dos homens. A navalha é etimologicamente "raspador". A palavra foi emprestada do Antigo rasor francês, um derivado de raser " raspar " fonte também de esfregar em Inglês (17 º c.), apagar. Mulheres de "vida fácil" durante a noite armavam-se com navalhas, pelo seu pequeno volume e alta periculosidade, e as prendiam na meia cinta, altura da coxa, para se proteger. Um corte de navalha, sangra abundantemente, pela perfeição do corte, podendo levar à morte por hemorragia."

          A navalha sobreviveu e se adaptou. Criou novas caras, mas estará sempre presente no universo humano, destruindo os cabelos crescidos demais, porque o corte dos cabelos é limpeza da cabeça, e a raspagem fará nascer um novo cabelo com mais força. Cabeça raspada é sinal de submissão e realeza iniciática. O destaque vai para o cabelo que simboliza vitalidade, erotismo, força física, virilidade, sedução, vaidade, virtudes e as propriedades das pessoas, ou ainda, demoníaco, quando muito grande e/ou doente.

           Em contrapartida, raspar a cabeça é uma grande vergonha não somente para as mulheres, mas também para os homens (2Sam 10,4). Somente em casos de luto, o símbolo - cabelo enfraquece. Os homens ocultam a barba, e as carpideiras arrancam os cabelos. O ritual do descarrego dos pecados sobre o bode, em hebraico “O cabeludo”, é um símbolo de Satanás,; o bode foi, nos tempos medievais, conotado com o demónio e a feitiçaria. ( “a maioria dos eruditos aceita que Azazel é o líder dos espíritos maus do deserto”).E que o bode emissário não era sacrificado (Lv 16:21 e 22), creio que a função desse bode era simbolicamente punitiva e não redentiva. Mas, de uma forma geral, o cabelo bem tratado tem um sentido positivo, desde a cabeleira abundante dos jovens (Ez 16,7) até os veneráveis cabelos grisalhos dos idosos: “cabelos brancos são coroa de honra; a gente os acha nos caminhos da justiça” (Pr 16,31).

           O ato de raspar a cabeça é sempre negativo, a não ser se for para uma desinfecção. Tendo em vista que as doenças transmissíveis estão em alta no mundo todo.