AS CONTAS DE ERNESTO

No final do ano, tinha R$ 240,00. Usara a função de agendamento de transferência da Caixa para depositar, todo mês, R$ 20,00 na poupança. Nem pensara mais naquilo. Estava ocupado sobrevivendo a três com um salário mínimo e meio. Era o que ganhava como faxineiro do frigorífico. O aluguel consumia um terço daquela quantia e o restante ia tudo para alimentação, água e luz. Só comiam carne três vezes por semana. O frigorífico, que produzia para exportar, não deixava retalho nem vendia para os funcionários. A esposa era uma santa. Nunca pedia nada. Bancava a feira sozinha vendendo produtos de beleza.

A volta às aulas era um aperto. O menino tinha só um par de tênis para usar todos os dias. A papelaria não parcelava. O uniforme tinha que durar o ano todo. Mas era um menino bom e muito aplicado. Adorava o pai. Ernesto tinha sua riqueza na forma de afetos simples e constantes.

Voltou a olhar o extrato e percebeu que, na verdade, tinha R$ 241,20. Eram os juros. Ganhara um trocado sem fazer nada. E se tivesse depositado mais, ganharia mais. Sem saber fazer as contas de porcentagem, não adivinhava quanto. Pensativo, programou novamente a transferência com o valor de R$ 25,00 por mês, por mais um ano. Em casa, espremeu a cabeça fazendo contas. Concluiu que teria mais R$ 300,00 que, somados ao que já tinha, dariam pelo menos R$ 541,20.

Passou o ano seguinte muito necessitado de boas notícias. O salário mínimo aumentou, mas todo o resto também. O dono da casa queria aumentar o aluguel. O programa Minha Casa, Minha Vida aprovou seu cadastro, mas as casinhas ainda estavam em construção, e ficavam tão longe que teria que levantar uma hora mais cedo para chegar ao trabalho de bicicleta. Se a magrela aguentasse. Falava-se em demissões e terceirização. Perda de direitos. O futuro, que já era estreito, se tornava perigosamente incerto.

Em dezembro, o extrato seguinte deu-lhe R$ 543,65, coisinha pouca, mas que o alegrou. Contou à esposa para ficarem contentes juntos. Ela pensou logo em casos de necessidade, alguma doença, remédios na farmácia. Ele pensava numa moto. Mas quando? Por via das dúvidas, naquele ano elevou a transferência mensal para R$ 30,00.

A esposa revelou-se, mais uma vez, companheira em tudo. Passou a economizar centavos, arrebanhar dinheiro miúdo. Comprava o pão num supermercado e o feijão no outro, para poupar seis reais nas contas da semana. Passou a aceitar serviços de diarista à tarde, quando o menino estava na escola. Tudo que obtinha, entregava ao esposo “para guardar”. Os dois estavam empolgados com a ideia de ter algum dinheiro. Era como um segredinho deles. No fim do terceiro ano, a conta exibia orgulhosos mil e trezentos reais e uns quebrados. Se sentiram ricos assim. Diferentes. Mais inteligentes do que seus vizinhos, que viviam da mão para a boca.

Poupar se tornou uma pequena obsessão compartilhada. Um laço a mais. Econômicos já eram por força das circunstâncias. Agora eram economizadores espertos, com uma meta a atingir. Duas pessoas sem estudo, trabalhadores da base da pirâmide, estavam sonhando tão alto quanto podiam.

Dizem que dinheiro não traz felicidade. Mentira. O dinheiro traz muitas coisas boas que, juntas, promovem segurança, conforto e um pouco mais de autoestima. O casal já se sentia rico antes, felizes com o pouco que tinham. Agora ainda mais. Riqueza atrai riqueza. Quem se sente pobre não vai mesmo ficar feliz, não importa o quanto ganhe. É da natureza da vida em sociedade ser o que queremos que ela seja, sem nos darmos conta disso. Fixe na mente a sensação de tranquilidade e verá o mundo serenar. Cultive sentimentos de carência e veja como tudo se apequena, diminui, foge.

E Ernesto acabou comprando sua moto. E virou moto-taxista. Documentado, emplacado e autorizado. A vida da família mudou. Agora comem carne todos os dias. Têm três pares de calçado cada um e mais as havaianas. Moram na sua casinha de cohab e pagam as prestações em dia. Ainda fazem contas: mas agora as metas são outras. Já sabem que são capazes de atingir qualquer objetivo. E, vendo o contentamento da pequena família, só nos resta ficar felizes também.

Tangará da Serra, 07/01/2021.

Lucimara Vaz
Enviado por Lucimara Vaz em 07/01/2021
Reeditado em 16/04/2021
Código do texto: T7154501
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