Bichos-de-pé, Alcoólatras

Por Nemilson Vieira (*)

Um tempo desse a Laurinda procurou-me; queria álcool líquido. Produto que estava a faltar no meu estoque e na praça, por força duma Lei Estadual. Naquele período, somente o álcool gel era liberado, à venda no mercado.

Tinha um pouco para o meu uso pessoal e, dei-lhe uma porção do mesmo.

Volta e meia lá estava a Laurinda a querer mais um pouco…

Pus-lhes a fornecer aquilo em pequenas doses sem maiores problemas, toda a vez que vinha a mim. Mais para o final havia disponibilizado o restante do álcool a ela.

Ao voltar para mais aquisições…

— O meu álcool acabou dona Laurinda; uma cachaça boa serve? Tenho aí.

— Aceito, mal não faz; não é para eu beber mesmo…

A Laurinda é evangélica e não bebe...

— Uai! Quem está a fazer uso de bebidas alcoólicas na sua casa? — Pensei.

Soube depois que a Laurinda punha há dias, álcool e cachaça na cara dos bichos-de-pé; pensava que resolvia.

Empolgado na matéria de 'cuidar' e, desejoso de ajudá-la no que fosse possível, na resolução daquele problema, pedi para olhar o seu pé afetado.

Ao ver aquelas bolinhas escuras num dos dedos do seu pé, inchado, percebi que haviam muitos bichinhos a conviverem num mesmo local agregados um ao outro. Instalados por lá há um bom tempo e naturalmente, a ovularem.

Achei por bem não remover aqueles minúsculos e patogênicos seres viventes...

Ao concluir que havia a necessidade duma intervenção cirúrgica, mais criteriosa, a orientei que fosse a um posto de saúde mais próximo.

Dias depois, soube que a Laurinda fora às pressas a um Pronto-Socorro da capital, para a remoção dos bichos-de-pé.

Deu trabalho para a equipe médica aquilo, mas aqueles bichos “tontos” que nem “gambas”, foram içados um a um pela pinça nervosa do médico plantonista.

Insistiram o quanto puderam em não saírem daquele ambiente “etílico” que se envolveram, tão facilmente.

Imagino que, amaram demais da conta a ideia da hospedeira, em regá-los constantemente com álcool e cachaça; onde puderam viver e procriarem à vontade. Até serem-lhes retirados bruscamente o tão necessário direito de amar eternamente, aquele corpo que já lhes pertencia.

*Nemilson Vieira

Acadêmico Literário