Breve reflexão a partir de Clarice
"O objetivo secreto de toda uma vida é não ser devorado..." Li essa frase em um conto de Clarice Lispector que me deixou com náuseas. Deve ser por isso que essa frase ficou tão latente em mim. Latente de latejar mesmo, de vez em quando ela volta à superfície e fica latejando, como se dissesse: "ainda estou aqui e continuo doendo..."
O objetivo secreto me faz lembrar de segredos que escondo até de mim mesma. Eu tenho abismos ainda não explorados, abismos tão profundos e tão escuros que chegam a ser atraentes e repulsivos ao mesmo tempo. Tenho segredos que quando vêm a tona, são sufocados por dores e náuseas. Meu corpo inflama graças a sua ameaça e me protegem deles. Geralmente, ao tomar remédios, confundo sonho com realidade e acabo esquecendo tudo.
Esses objetivos secretos se relacionam com o que se segue. "Não ser devorado..." Sim, porque alguns povos acreditavam que ao devorar seus adversários, eles adquiriam suas habilidades. Ser devorada, pra mim, seria alguém descobrir meus abismos profundos, meus medos irracionais e tudo de mais podre que carrego. Como a esfinge, que provocou Édipo dizendo "decifra-me ou te devoro", eu provoco. Mas tenho a impressão de que quando alguém me desvendar, irá também me devorar. Terá todo poder sobre mim. (Esse já é um dos meus medos irracionais, mas é mais tolo deles.)
Lembro perfeitamente da imagem mental que me veio na mente com a leitura dessa frase. Uma criatura pequena e preta, sorrindo inocentemente perante um homem branco. Ela achava que ele não a devoraria.