No meu tempo...

Uma vez mais ouviu-se de sua boca “no meu tempo...”. Quando não era essa, era uma variação: “na minha época...”. Curiosamente usava essa expressão sempre com um tom depreciativo em relação àquilo que a provocara.

Quando ouvia uma sequência de músicas no rádio não perdia tempo: “na minha época as músicas eram boas, hoje é só um monte de barulhos, não se entende nada. Não dá nem para dançar”. E começava a descrever com minúcias festas e casas noturnas que frequentava na juventude, numa tentativa de reviver um tempo que havia deixado no passado.

Quando era convencida a assistir a um filme no cinema e o debate, durante o café após o filme se iniciava, aguardava cirurgicamente o momento e fazia sua incisão: “mas esses filme de hoje em dia só tem explosão, perseguição e correria. No meu tempo os filmes contavam histórias, tinham mensagens e faziam a gente pensar”. Discorria sobre a genialidade e a magia que os cinemas de rua perderam para a ditadura dos shoppings.

Quando avistava uma criança manuseando um celular com desenvoltura, chegava a ter palpitações. Logo disparava: “não consigo entender essas crianças presas o dia inteiro nesses telefones, parecem zumbis. Na minha época a gente sabia se divertir. A gente corria descalça, ficava suada, o dia inteiro fora de casa, só voltava quando a mãe vinha buscar com o chinelo na mão. A gente interagia”. Não passava perto de suspeitar da possibilidade de interação que aquela prisão proporcionava.

Um dia, ao ouvir de um pre-tendente “você sempre tão linda!”, se depreciou como de costume “já tive meus tempos”. Inconformado com a resposta indagou-a “e o eu fez com seus tempos?”. Ao perceber seu semblante confuso ele prosseguiu: “no meu tempo eu já fiz e a-inda pretendo fazer muita coisa, realizar sonhos, cometer mais loucuras, viver!. E você, o que faz no seu tempo?”

Percebendo seu desconforto ele continuou: “nossa vida é como uma gota d’água no curso de um rio. Se fica presa à nascente, não conhece as agruras das quedas ou as belezas dos afluentes e não se conscientiza de sua insignificância em meio à imensidão do oceano”.

Chateada ela retrucou: “você está querendo dizer que eu sou in-significante?”. Ele sorriu quase de-bochadamente “insignificantes somos todos, mas não deve ser o nosso tempo, não seja sua inimiga. A-prenda com ele, aceite-o. Ele é inevitável, mas a forma de encará-lo é uma escolha”.

“Então quer dizer que as marcas do tempo não nos deixam mais feios?”, ironizou.

“A beleza é efêmera, mas não passageira. Eu vejo o que você quer renunciar, deixar para trás. Mas seu tempo acaba junto com seu úl-timo suspiro. Até lá ainda é o seu tempo, viva-o!”