ATURMA DO CLÁSSICO
A TURMA DO CLÁSSICO DO MARTIM AFONSO
Em 1963, iniciei o chamado Curso Científico no glorioso IEMMA-Instituto de Educação Municipal Martim Afonso, em São Vicente. Era uma época que o ensino secundário nas escolas públicas oferecia três cursos: Normal para quem desejava se tornar professor de curso primário, Clássico para aqueles que pretendiam seguir profissões relacionadas a Humanas, e Científico aos que queriam seguir carreiras relativas a Ciências Exatas. Em outras escolas haviam cursos profissionalizantes e a moda era estudar Químico Industrial. Cada um desses cursos tinha características bem distintas e os alunos, com o tempo, formavam grupos de amigos entre os seus colegas de escola. Haviam turmas do Científico, do Clássico,do Normal e não se misturavam muito. Embora minha intenção fosse cursar Engenharia, pessoalmente lia tudo que me caia nas mãos e minha preferência era assuntos relativos a Psicologia, Filosofia, História e demais Ciências Humanas.
Dias antes havia mudado para o sobrado vizinho à nossa casa uma família carioca. O pai, João Chrisóstomo, era telegrafista de navio, na época uma importante profissão. A esposa chamava-se Nancy e o casal tinha quatro filhos, três moças e um garoto. Eneida, a filha mais velha, havia se matriculado no primeiro ano do curso Clássico, Verônica, a do meio, e Márcia, cursavam o ginásio. Mauricio, caçula, ainda cursava o primário. Eneida, a primeira da pessoa de família que conheci, era uma linda morena alegre e comunicativa, ficamos amigos a primeira vista. Verônica, também morena e bonita, era mais calada e não consegui vê-la como amiga, pois despertou em mim outro sentimento, tinha um sorriso lindo com dentes separados e olhos negros muito vivos e expressivos. . Márcia era alta e desengonçada como é próprio das moças em início da adolescência. Maurício era um garoto dos seus onze ou doze anos com a chatice própria da idade, vivia dizendo gracinhas e frases fora de hora, mas ficou meu amigo. Os pais eram gente boa, embora seu João fosse muito sério. Ficava ausente muito tempo devido sua profissão de marítimo, mas conversava muito comigo quando em casa. De modo geral, fiquei muito chegado à família e passava as tardes na casa das meninas. Eu voltava do Martim Afonso com a Eneida conversando, e através dela conheci outros alunos do Clássico, que se tornaram meus amigos.
Era turma ótima, interessada em literatura, poesia, filosofia, música e cultura em geral. A professora Lídia fazia parte da turma e incentivava seus alunos a se reunirem e discutirem assuntos humanos. Alem do que Francisco Rodrigues,o Chicão, era da minha turma de amigos e meu primo Jorge Monteiro, filho da saudosa Dona Neves, era o exemplo de bom estudante, um aplicado aluno que se tornaria um intelectual, ambos cursavam o Clássico. Conheci e fiquei amigo do Evaldo Ferreira, Flávio Moita, Claudio José, Benedito, Zuza (tia do Márcio França), Roberto Inglês (que eu já conhecia), José Miguel Wisnick (primo das minhas amigas Wislawa, Olga e Irene Tulik) e outros. Convidado pela Eneida, fui a uma reunião do grupo na Vila Melo, na casa do Cláudio José, em um sábado à tarde. Interessado em me aproximar da Verônica, senti haver uma reciprocidade em meus sentimentos e conversei a tarde inteira com ela. Resultado: saímos da reunião como namorados. Minha primeira namorada oficial, guardo com muito carinho as recordações desse relacionamento. Aquela coisa de sentir novas emoções, de despertar para o amor, de dormir e acordar pensando na pessoa. E da corrente elétrica que corria no meu corpo quando estava com ela, dos inconfessáveis desejos que Verônica me despertava. Como éramos vizinhos, todos os dias nos falávamos e minha amizade com Eneida fortalecia minha ligação com toda a família. Foi uma época ótima, dona Nancy era a bondade em pessoa e excelente mãe. Hoje posso avaliar o quanto era imaturo em coisas de amor e da minha enorme timidez.
As reuniões aos sábados se tornaram rotinas e se realizavam no sistema de rodízio, a cada sábado era combinado em casa de quem se realizaria a reunião do próximo sábado. Cada um desses encontros etílicos-filosóficos-letrários-culturais-dançantes se marcou por eventos diferentes que vou recordar “em passant”:
• Benedito quebrou a vidraça da casa da Eneida.
• Na casa do Evaldo a reunião foi estilo “Cocktail”, foram servidas vários tipos de drinks e bebidas.
• Na casa do Roberto Inglês, Benedito tomou um porre homérico e quase caiu do quinto andar, provocando uma gritaria das moças.
• Comecei a namorar Verônica na reunião da casa do Cláudio José
Agora, ao recordar essas inesquecíveis experiências, vejo o quanto a educação pública de então difere da atual, totalmente corrompida pela desvalorização dos professores que, na época, eram considerados personagens importantes e respeitados pela sociedade.
Mas foi maravilhosa a convivência que tive com a turma do Clássico.
Paulo Miorim 04/01/2021