Vinte Vinte e Um
Vinte Vinte e Um
Me lembrei recentemente de que, 50 anos atrás, um quinto das casas que eu visitava ao léu, vamos dizer, amigos de amigos, a costureira, o vizinho de não sei quem, tinha um papagaio fosse no quintal, na cozinha, até na sala. Foi um costume. Puro palpite, nas residências havia mais papagaios do que gatos.
Ai, ai, 2021 desponta. Do céu me apraz a luz anilada que banha minha vidraça. Da terra a comunhão com as flores abertas no jardim, aromatizando a alegria da casa. Por hora, a missão é previnir o encurtamento dos telômeros.
Ponderando isento de maiores intenções, a arte não supre necessidades, ela as inventa.
Para quem assistiu “O Gambito da Rainha” e de súbito se descobriu interessado no secular embate estratégico em tabuleiro vendo aquela menina fazendo caras e bocas, bebendo litros de cachaça e derrotando implacavelmente os oponentes, destaco “Pawn Sacrifice”, breve história do Bobby Fischer, por hora gênio absoluto do xadrez, e como ele conquista o título de campeão mundial em Reykjavík, 1972. O filme de Edward Zwick, lançado em 2014, mostra que, comparado com a perfumaria Mimimi Gambito o buraco é mais embaixo, ou se preferir, coisa de gente grande.
Outro dia perguntei a uma senhora conhecida: Por que pequenos lanches ao longo do caminho e nunca uma refeição completa? Ela deu de ombros. Está sempre sorrindo de forma meio marota, como se soubesse de algo que foge a compreensão da turba ou apenas entretida mentalmente com uma piada particular. Tão logo raiou o ano, soltou essa: Nossas almas não têm fome de fama, riqueza ou poder, mas de significado.
Continua na mesma base o grande cenário: para uns, “Rhopalocera”, para outros, alvéolo. É bem verdade que até agora nunca se viu lagarta alguma entrar em bando no casulo, porém, borboletas voando na companhia de outras…
O pessoal mais instruído já sabe que o combate é travado através do controle do fluxo de informações - a meta consiste no domínio do imaginário popular. Partindo dessa premissa, impossível descartar “Icarus”, documentário lançado em 2017 dirigido, escrito e protagonizado por Bryan Fogel. Em termos de realidade alucinógena nada deve ao inesquecível 2020.
Lido num adesivo na traseira duma caminhonete: “Compre terras, Deus não vai fazer mais”.
Cada uma.
Decerto ganhamos vultuosa bagagem no acúmulo dos últimos tempos, pontes foram queimadas, novas vias estão sendo construídas, e o essencial permanece, “Pois de amor andamos todos precisados, em dose tal que nos alegre, nos reumanize, nos corrija, nos dê paciência e esperança, força, capacidade de entender, perdoar, ir para a frente. Amor que seja navio, casa, coisa cintilante, que nos vacine contra o feio, o errado, o triste, o mau, o absurdo e o mais que estamos vivendo ou presenciando.” (Carlos Drummond de Andrade).
(Imagem: Sayako Sugawara, Pink Full Moon, London 2020)
(http://www.bernardgontier.com)
Vinte Vinte e Um
Me lembrei recentemente de que, 50 anos atrás, um quinto das casas que eu visitava ao léu, vamos dizer, amigos de amigos, a costureira, o vizinho de não sei quem, tinha um papagaio fosse no quintal, na cozinha, até na sala. Foi um costume. Puro palpite, nas residências havia mais papagaios do que gatos.
Ai, ai, 2021 desponta. Do céu me apraz a luz anilada que banha minha vidraça. Da terra a comunhão com as flores abertas no jardim, aromatizando a alegria da casa. Por hora, a missão é previnir o encurtamento dos telômeros.
Ponderando isento de maiores intenções, a arte não supre necessidades, ela as inventa.
Para quem assistiu “O Gambito da Rainha” e de súbito se descobriu interessado no secular embate estratégico em tabuleiro vendo aquela menina fazendo caras e bocas, bebendo litros de cachaça e derrotando implacavelmente os oponentes, destaco “Pawn Sacrifice”, breve história do Bobby Fischer, por hora gênio absoluto do xadrez, e como ele conquista o título de campeão mundial em Reykjavík, 1972. O filme de Edward Zwick, lançado em 2014, mostra que, comparado com a perfumaria Mimimi Gambito o buraco é mais embaixo, ou se preferir, coisa de gente grande.
Outro dia perguntei a uma senhora conhecida: Por que pequenos lanches ao longo do caminho e nunca uma refeição completa? Ela deu de ombros. Está sempre sorrindo de forma meio marota, como se soubesse de algo que foge a compreensão da turba ou apenas entretida mentalmente com uma piada particular. Tão logo raiou o ano, soltou essa: Nossas almas não têm fome de fama, riqueza ou poder, mas de significado.
Continua na mesma base o grande cenário: para uns, “Rhopalocera”, para outros, alvéolo. É bem verdade que até agora nunca se viu lagarta alguma entrar em bando no casulo, porém, borboletas voando na companhia de outras…
O pessoal mais instruído já sabe que o combate é travado através do controle do fluxo de informações - a meta consiste no domínio do imaginário popular. Partindo dessa premissa, impossível descartar “Icarus”, documentário lançado em 2017 dirigido, escrito e protagonizado por Bryan Fogel. Em termos de realidade alucinógena nada deve ao inesquecível 2020.
Lido num adesivo na traseira duma caminhonete: “Compre terras, Deus não vai fazer mais”.
Cada uma.
Decerto ganhamos vultuosa bagagem no acúmulo dos últimos tempos, pontes foram queimadas, novas vias estão sendo construídas, e o essencial permanece, “Pois de amor andamos todos precisados, em dose tal que nos alegre, nos reumanize, nos corrija, nos dê paciência e esperança, força, capacidade de entender, perdoar, ir para a frente. Amor que seja navio, casa, coisa cintilante, que nos vacine contra o feio, o errado, o triste, o mau, o absurdo e o mais que estamos vivendo ou presenciando.” (Carlos Drummond de Andrade).
(Imagem: Sayako Sugawara, Pink Full Moon, London 2020)
(http://www.bernardgontier.com)