ABRINDO A PORTA PARA O TEMPO...E PARA A VIDA!
Pelas provas da vida...
Escrevo no último dia dum ano duríssimo.
É "Reveillon" de DOIS MIL E VINTE , um ano marcado por uma pandemia que abortou toda a logística da vida social e civil e nos levou ao luto individual e coletivo.
Estamos todos cansados, exauridos.
Meu presente relato surgiu nessa última "segundona" do ano, momento em que, um pouco mais aliviada da minha correria, me restou também resolver as pendências duma pessoa querida cujo todo andamento da vida está sob meus cuidados.
Todos sabemos que aqui no Brasil precisamos provar que estamos vivos, depois da árdua esperança de acreditar que existimos já há um longo tempo, ainda que na tentativa continua e frustra de se tentar existir.
Talvez quem hoje me lê também tenha tido a insana oportunidade de saber o que é "provar a vida" de alguém com quase cem anos num ano de pandemia em que a Terra parou.
Até há pouco, as instituições públicas (exceto as de saúde) estavam todas fechadas por decreto sanitário para quaisquer atendimentos presenciais que se fizessem urgentes.
E na senilidade extrema as coisas mudam drasticamente dum dia para o outro. Hoje se está no paraíso...amanhã só Deus sabe.
Então, depois duma logística incrível de cuidados para transportar um idoso avançado devidamente paramentado frente à pandemia, que ainda se movimenta e que, embora deficiente auditivo entende muito bem as ocorrências do entorno, conseguimos chegar até o local duma agência bancária dum shopping onde julguei haver um bom protocolo sanitário.
Acreditei que alguém da instituição pudesse ir até o automóvel para certificar uma vida. Mas não foi assim.
No banco, foi preciso abrir a porta lateral porque pela giratória não nos era possível adentrar.
As portas...sempre elas.
Fomos informados que só um funcionário teria a chave para a abertura.
Depois duma espera surgiu o dono da chave , um rapaz nitidamente zangado por precisar sair do seu fugidio local de trabalho para o sacrifício de rodar uma chave de abertura para a passagem do tempo.
E o mais simbólico: fomos recepcionados com a seguinte pergunta acolhedora, exclamativa e explicativa:
"O que vocês estão fazendo aqui? Voltamos a atender desde Outubro e vocês aparecem justo HOJE? Por que não foram direto ao INSS ?"
De fato, aquela criatura ainda não entendeu nada. A despeito de tudo.
É preciso lhe diagnosticar o torpor.
É Reveillon!
Eu precisava escrever e aquele equivocado rapaz me deu o tema!!
Eu lhe agradeço em demasia.
Digo que a grande comemoração é que conseguimos viver esse ano e comprovar a VITALIDADE da vida, da respiração, do batimento cardíaco acelerado pela indignação, estamos vivos, ainda que aos trancos e barrancos, dentre as provas de tudo e do todo.
"Nós vencemos!"-pensei comigo como se estivesse numa guerra invisível.
Comprovamos a existência de quase um século com certificado de vida dura na mão!
Essa é a grande vitória!!
Viva!!!
Estaria então comprovado -e no papel!- que por aqui ainda estamos todos meio que ilusoriamente vivos, independentemente do tempo de cada um. Não se iluda estar vivo existencialmente se ainda for alguém jovem...
Seria também urgente ressuscitar a educação, a gentileza, o respeito e a empatia...portanto eu jamais falaria em CIDADANIA... seria pedir vida demais.
Quem sabe, num milagre de "Reveillon pandêmico" consigamos abrir todas as portas de todas as vias para o tempo que já pede para reentrar...
E que possamos, quiçá um dia, todos juntos, dar livre passagem às vidas plenamente vividas; tanto quanto hoje nos é preciso abrir as vias aéreas para que um ar limpo nos adentre em digna respiração.
Logo mais será comemorado o dia internacional da Paz.
Que Deus nos ajude a protagonizar essa tão urgente e vital essência.
São os meus sinceros anseios de Ano Novo aos novos tempos que se anunciam.