Medo de ser alcoolátra

Tolerância a álcool era motivo de orgulho. Bebia para afogar as mágoas, para comemorar, para me distrair. Quando me dei conta, só bebia sozinha em casa. Inventava desculpas para não beber com os amigos. Bebia porque precisava. Ah, mas eu não bebo o dia inteiro, só de noite. Alguém já me viu jogada na rua por causa de bebedeira? Alcoólatra. Eu consigo ter uma vida normal tomando meu vinhozinho, não posso? Alcoólatra e iludida. Pois tá todo mundo errado! Eu paro na hora que eu quiser! Mal sabe eu que tentei mais de 20 vezes parar só esse ano. Mal sabe eu que as desculpas acabaram.

Eu já não bebo mais pra acabar com a alegria nem celebrar a tristeza. Eu bebo porque ouvir música sem álcool não tem a menor graça. E aquela novelinha boa todo dia às 20h, não faz o menor sentido sóbria. Comprava a bebida mais barata para sobrar dinheiro para tomar mais bebidas baratas. Quando me dei conta, aquela dose precisava de mim. Da minha submissão. Do meu apego. Da minha resignação. Beber virou obrigação. Quando me dei conta, o medo de ser alcoólatra tornou realidade. Medo de perder completamente o controle. Medo de desconhecer um momento abstêmia. Medo de beber tomando banho. Medo das crises de abstinência. Por isso, decidi parar de beber. Só mais um dia e terá que ser outros dias porque quebrei meu cartão. Poderia soar simbólico ou ritualístico mas não passa de uma atitude desesperada para me salvar.

O engraçado é ter a sensação de que bebo como se fosse a primeira vez. Tive pouca ressaca, praticamente nada. Começava anoitecer e batia uma ansiedade pois logo mais só tinha uma única certeza: iria beber até adormecer. Assim foram consecutivas vezes, numa dança fiel contra a sobriedade. Só mais uma dose.

Um dia sóbria foi o suficiente para escrever esse texto de despedida. Meu dinheiro acabou, o vício continua. Sabe aqueles dias que só queremos nos acomodar no sofrimento? Eu quis acabar comigo. Quando notei, esse desejo infantil e autoritário ajoelhou diante do meu bafo de pinga e suplicou para parar. Deixa pra outra vida esse negócio de se autodestruir.

Dréus
Enviado por Dréus em 30/12/2020
Reeditado em 03/11/2021
Código do texto: T7147837
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