OS TREZE CARPINTEIROS
OS TREZE CARPINTEIROS
Ainda sou um engenheiro que escreve e não um escritor engenheiro. São infinitos episódios que marcam a trajetória profissinonal de um "fazedor de obras", um peão melhorado que se dedica ao duro ofício de concretizar idéias de investidores, projetistas, políticos, etc.
OS TREZE CARPINTEIROS
No meu primeiro ano depois de formado engenheiro trabalhei numa empresa chamada Cavalcanti Junqueira, Era uma empresa tradicional da engenharia brasileira, tinha participado da construção do estádio do Maracanã, da barragem Paulo Afonso e era uma referência da engenharia nacional. Fui trabalhar nas obras de expansão da companhia Siderúrgica Paulista, a Cosipa. Foi me foi dado a responsabilidade das obras extensão do Edifício de Tiras a Quente e Extensão de Tesouras a Frio, unidades da laminação da Siderúrgica. Em uma das obras havia uma grande cortina a ser concretada com quatro metros de altura. Cortina, nas obras de concreto, é uma parede de concreto. Nas obras pesadas é comum o pessoal trabalhar sobre sistema de tarefa. Basicamente o engenheiro propõe pagamento de uma etapa dos serviços e, em conjunto com os funcionários, faz um acerto propondo quantos dias de prazo para conclusão do trabalho e, em troca, caso o prazo seja cumprido, os funcionários serão recompensado com 20, 30 ou 40 horas a mais, ou alguma algum outro tipo de premiação pela dedicação de fazer aquela tarefa. Normalmente usa-se esse sistema quando é necessário agilizar o trabalho, pois as pessoas envolvidas devem trabalhar em um ritmo muito maior para cumprir a tarefa. Isto posto, a citada cortina tinha 40 m de comprimento, 50 cm de largura e 4 m de altura. Eu era um engenheiro iniciante na parte execução de obras, havia fiscalizado a Estação Rodoferroviária de Curitiba, mas agora eu era o responsável pelo cumprimento do cronograma da obra. Fiz uma proposta à equipe de carpintaria, composta de treze carpinteiros: eles tinham que me dar os serviços de forma pronto para concretagem em dois dias e receberiam dois dias mais se cumprissem o prazo. Passados dois dias, eles vieram me comunicar que estava pronto. Cheguei lá e vi que a cortina estava fechada e alinhada. Reclamei que não estava pronto para concretagem, pois faltavam diversos serviços, como escoramento, amarração dos painéis, passarela de acesso à concretagem. O pessoal havia agido de má-fé e aproveitando-se da minha inexperiência afirmou que a forma estava pronta, mas tinha que ser amarrada, montados os andaimes para dar acesso a concretagem e a passarela. Faltava muita coisa, eu descobri que havia sido vítima de uma porção de camaradas da equipe de carpinteiros com a intenção de se aproveitar do meu pouco conhecimento dos trabalhos necessários para fazer uma concretagem. Imediatamente entramos em uma séria discussão e o pessoal reclamou que queria receber o que tinha feito porque a obra da forma estava pronta, eu falei que eu só considero pronta se tivesse pronta para receber a concretagem. O clima ficou muito pesado, eram 13 Carpinteiros e eles foram me pressionando muito. Como eu era inexperiente mas não era bobo, fui me informar com o Êneo Palazzi, meu chefe. Comuniquei a ele que havia chegado ao impasse porque os carpinteiros que haviam tratado comigo uma coisa e estavam me cobrando outra, querendo tirar vantagem. Eneo era um cara de atitudes firmes, mandou chamar os carpinteiros. Foi uma discussão generalizada, os Carpinteiros argumentaram que tinha sido combinado e que se eu não sabia que queria era problema meu, e o meu chefe entendeu e falou que os carpinteiros todos estavam demitidos. Nossa, foi impressionante, pessoal ficou muito bravo, muito revoltado mas enfrentamos a situação e Eneo falou que era para eles aprenderem a tratar as coisas da maneira certa, e serem mais honestos no trabalho. Lamentei porque se tratava de muitos homens casados, embora na época não faltasse emprego. Mas lamentei realmente porque eu devia ter me informado melhor e acredito que hoje eu não faria dessa maneira. Colocamos outra turma e conseguimos executar a concretagem após concluir todos os trabalhos preparatórios de forma e armação. Foi uma experiência inesquecível e aprendi que os trabalhos de carpintaria em uma obra são compostos de várias etapas. Quando você vê uma forma pronta de um pilar ou de uma laje, ou de uma viga, saiba que ali foram feitas várias etapas que o leigo não consegue imaginar o trabalho que deu. Ver aquilo pronto parece ser muito simples, mas em estruturas de concreto as formas tem que ser muito bem executadas, os painéis tem que ser muito bem feitos, não pode ter diferença na planícidade, as dimensões de projeto devem ser exatamente seguidas. Para ficar um serviço perfeito, é necessário o uso de acessórios, como tirantes, espaçadores, etc., que mantenham as dimensões do elemento a ser concretado, seja um pilar, seja uma cortina, uma sapata ou uma laje. Uma laje tem que ser muito bem gabaritada de modo a se obter a espessura de projeto. No caso de uma cortina de concreto temos que considerar que, além de ser amarrada e atirantada de modo a não permitir que durante o enchimento de concreto ocorra o rompimento da forma, a cortina deve ser perfeitamente alinhada longitudinalmente, de modo a não parecer uma cobra. Pois a forma tem que suportar a pressão do concreto que é uma mistura de grande peso específico, cerca de 2500 kg por metro cúbico E, além disso, ele é vibrado dentro da forma para se obter a densidade ideal e remover bolhas de ar incorporadas à mistura. Temos que fazer uma forma muito bem escorada para evitar tombamento de modo a suportar os trabalhos enchimento. Para mim foi uma experiência inesquecível e ao mesmo tempo em que até hoje lamento pois não tive a intenção de prejudicar os trabalhadores embora eles não tenham sido corretos comigo.
Paulo Miorim 23/12/ 2020