Tem que ser alegre?
Vivemos em um mundo triste, excludente, injusto e miserável, mas que cinicamente não admite a tristeza. A regra para o bom conviver em sociedade é o "alto-astral", o bom humor, o pensamento positivo, mesmo que todos esses muitas vezes sejam forçados e fingidos. De repente a vida fez jus à sua vocação de teatro e, ao invés de sermos autênticos, encenamos...
Quem nunca conviveu em uma empresa submetido aos ditames de um RH? Nas minhas experiências, constam passagens bizarras. Chegava-se ao ponto de proibir o uso de certas palavras. "Problema" deveria ser substituído por "oportunidade", por exemplo... As equipes de trabalho tinham rituais e musiquinhas que deviam executar para abrir os turnos. Ah, não era obrigatório, mas sempre salutar andar alegre e sorrindo. Isso podia contar pontos na tua avaliação. Os colegas de trabalho? Mesmo a se esfaquearem pelas costas, "integração" sempre... Uma vez uma supervisora me constrangeu a fazer o horário de almoço (que era o meu intervalo) obrigatoriamente junto com a turma, para me unir mais à "equipe". Eu só queria comer mais cedo e em paz. Só queria, ao menos durante uma hora de um longo expediente, um pouco de individualidade...
Outro universo no qual é regra ser alegre para ter amigos, comentários e "curtidas" é o do Facebook. Lá a melancolia, mesmo que eventual, é execrada. Prosperam as pessoas queridas e positivas, que postam "bom dia, boa tarde e boa noite" em mensagens fofas, de preferência com bichinhos. Eu também adoro bichinhos, mas alguém pode ser assim o tempo inteiro? Não. Eu tinha cerca de 200 amigos. Quando postava meus textos e reflexões, meio sentidas, só seis, muito próximos, curtiram. O restante ignorava solenemente e, quando não publicava as bobagens supracitadas, fazia uma autopromoção de suas pessoas, com toda a falsidade que lhes cabia. Exclui o meu perfil. Chega disso.
Por último, uma tribo que muito me incomoda é a do futebol. Tem que ser fanático, tem que ser "torcida", dissolver sua identidade numa turba ensandecida, sem rumo. Todos ufanistas, delirantemente felizes, gritos de guerra, danças, pulos. Beijar a camiseta, vestir-se com a bandeira... Entre os pares somos "nós", enquanto os adversários são "eles". Tudo regado a muito álcool nos estádios, claro, antes da pandemia. Agora a cervejinha se bebe em casa mesmo e, se o time perder, depois se desconta nos outros... Aí acabou a euforia. Claro, nem todos, sejamos sensatos. Mas o entusiasmo só existe na vitória. A "flauta" do dia seguinte, no adversário que perdeu ontem, é uma forma de ódio velado.
Fico com Augusto dos Anjos, que no seu poema "Eterna Mágoa", diz mais ou menos isso:
O homem sobre quem caiu a praga
Da tristeza do mundo, o homem que é triste
Para todos os séculos existe
E nunca mais o seu pesar se apaga...
E serei verdadeiramente alegre, somente quando me sentir, de fato, bem. E, quando não, vou chorar minhas mágoas com toda a razão, o quanto quiser. Não vou abrir mão da minha humanidade e sensibilidade por conta das pressões de um sistema que quer nos moldar a seu bel-prazer. Nem que isso doa. Não tenho que ser alegre, não.