As narrativas e suas odiosas simplificações
Em certa parte de uma notícia, li a declaração “maltratou, agora é prisão”. Na entrevista, a delegada mostrou-se orgulhosa com o feito: prendeu um executor de maus tratos contra cães. Complementou comemorando a oportunidade de exercer a lei de proteção, ressaltada na matéria como sendo uma contribuição assinada pelo presidente. Claro que, gostando tanto dessas criaturas amáveis, os cães, num primeiro movimento cerebral, concordamos com os aplausos. No entanto, matutei: o que há para comemorar? Os cães sofreram; uma crueldade ocorreu. Não há comemoração nisso. Pensei que ela não estava a comemorar, mas sim a afirmar concordância com alguma narrativa. Senão ela, ao menos o autor do artigo posicionou algo ali, estrategicamente. Havia uma causa a ser defendida, a qual, com certeza, não era em prol dos animais.
Quase todos gostam de cães. Se assim não fosse, Hollywood não teria lucrado tanto com John Wick, uma trilogia que desenha o rumo do indomável protagonista, o qual buscou vingança contra uma poderosa organização criminosa, sozinho, tudo para fazê-los pagarem pelo assassinato de seu fiel amigo. O fato é que o assassinato de uma pessoa não se faz justificado para vingar um cão, por mais que esses seres sejam tão inocentes e amados por nós. De certo, a vontade de arrancar a pele de quem maltrata um cãozinho existe, mas deixemos esse sentimento para o cinema, visto que na vida real seria impraticável. O que importa aqui é que esse sentimento existe. Somos apaixonados por símbolos de pureza, direcionando afeto àquilo que não possui opinião, fala e nem viés. Se os cães falassem, é bem provável que isso seria bem diferente, mas não é o caso. Ao contrário, é a nossa própria fala, geralmente infantilizada, que se manifesta reproduzindo o que pensamos ser o que tais criaturas teriam a dizer, ou seja, projetamos um eco de nós mesmos em nossos animais de estimação. Como não amá-los?
Tendo ciência dessa ligação inter-espécies, o poder público promoveu a grande - e cara - propaganda da lei que aumenta a pena para quem maltratar nossos amiguinhos. Tocaram o coração do povo. Na prática, existe novidade nisso? Não. A Declaração de Direitos Animais foi criada 41 anos antes, tendo a sua infração sido considerada um crime desde 21 anos antes, mediante lei federal. Então o que mudou? O limite de tempo na cadeia. Qual a contribuição? Sinceramente, nenhuma. É difícil imaginar alguém que esteja disposto a maltratar um animal dizendo “terei de desistir de bater nesse cãozinho, pois agora ficarei preso por dois anos ao invés de um só”. Logo, a necessidade real gira mais em torno de fazer cumprir a lei do que a pena que ela envolve.
Não há o que comemorar. A mesma caneta que aumentou a pena ficou sem tinta para ajudar a Amazônia e o Pantanal, ficando sem enviar esforços de combate às chamas que assolaram as grandes áreas desmatadas, nas quais morreram milhares de animais queimados, sem falar dos que ficaram sem seu habitat e, provavelmente, morrerão em função disso. Para piorar, perdoaram entidades milionárias que eram acusadas de crime ambiental, além de desmontar entidades responsáveis pela fiscalização de tais crimes. Irônico, né? Mais irônico ainda foram as 474 modalidades de agrotóxico que essa mesma caneta aprovou, envenenando nosso solo, nossa água e, consequentemente, todos os animais e a nós próprios. Faça um teste: tente comprar, para seu bichinho amado, uma ração que não tenha um “T” dentro de um triângulo amarelo, carimbado em seu rótulo. Difícil, né? Pois é… Cada vez que você vir isso numa embalagem, significa que ali há resquícios de produção transgênica, a qual só se desenvolve sob a aplicação de fortes agressores químicos. Os fabricantes dos produtos que propiciam a transgenia nadam em rios de dinheiro, graças ao governo, enquanto uma pessoa comenta a reportagem, elogiando a lei de 21 anos atrás, como se ela tivesse sido inventada agora: “Já era hora de criarem essa lei…. “. Viu só? “Criarem”! A narrativa está montada. O jornal comemora. O leitor comemora. O diabo comemora!
A maior de todas as ironias é que na própria matéria citava a data de criação da lei original - 1998. Mesmo vivendo a grande era da informação, é sabido que, em maior parte, a população se atenta apenas às narrativas que são impostas. Somos seres amantes da ilusão e os nossos cães vão morrendo, junto de nós, pela boca. Os outros animais vão morrendo queimados, junto de nós que respiramos a fumaça, com cada vez menos chuva.
Sempre adoramos nossos espelhos, mas agora gostamos mais de nossas câmeras, cheias de filtros e opções, nos tapeando de nós próprios em nossas selfies compulsivas.
Em certa parte de uma notícia, li a declaração “maltratou, agora é prisão”. Na entrevista, a delegada mostrou-se orgulhosa com o feito: prendeu um executor de maus tratos contra cães. Complementou comemorando a oportunidade de exercer a lei de proteção, ressaltada na matéria como sendo uma contribuição assinada pelo presidente. Claro que, gostando tanto dessas criaturas amáveis, os cães, num primeiro movimento cerebral, concordamos com os aplausos. No entanto, matutei: o que há para comemorar? Os cães sofreram; uma crueldade ocorreu. Não há comemoração nisso. Pensei que ela não estava a comemorar, mas sim a afirmar concordância com alguma narrativa. Senão ela, ao menos o autor do artigo posicionou algo ali, estrategicamente. Havia uma causa a ser defendida, a qual, com certeza, não era em prol dos animais.
Quase todos gostam de cães. Se assim não fosse, Hollywood não teria lucrado tanto com John Wick, uma trilogia que desenha o rumo do indomável protagonista, o qual buscou vingança contra uma poderosa organização criminosa, sozinho, tudo para fazê-los pagarem pelo assassinato de seu fiel amigo. O fato é que o assassinato de uma pessoa não se faz justificado para vingar um cão, por mais que esses seres sejam tão inocentes e amados por nós. De certo, a vontade de arrancar a pele de quem maltrata um cãozinho existe, mas deixemos esse sentimento para o cinema, visto que na vida real seria impraticável. O que importa aqui é que esse sentimento existe. Somos apaixonados por símbolos de pureza, direcionando afeto àquilo que não possui opinião, fala e nem viés. Se os cães falassem, é bem provável que isso seria bem diferente, mas não é o caso. Ao contrário, é a nossa própria fala, geralmente infantilizada, que se manifesta reproduzindo o que pensamos ser o que tais criaturas teriam a dizer, ou seja, projetamos um eco de nós mesmos em nossos animais de estimação. Como não amá-los?
Tendo ciência dessa ligação inter-espécies, o poder público promoveu a grande - e cara - propaganda da lei que aumenta a pena para quem maltratar nossos amiguinhos. Tocaram o coração do povo. Na prática, existe novidade nisso? Não. A Declaração de Direitos Animais foi criada 41 anos antes, tendo a sua infração sido considerada um crime desde 21 anos antes, mediante lei federal. Então o que mudou? O limite de tempo na cadeia. Qual a contribuição? Sinceramente, nenhuma. É difícil imaginar alguém que esteja disposto a maltratar um animal dizendo “terei de desistir de bater nesse cãozinho, pois agora ficarei preso por dois anos ao invés de um só”. Logo, a necessidade real gira mais em torno de fazer cumprir a lei do que a pena que ela envolve.
Não há o que comemorar. A mesma caneta que aumentou a pena ficou sem tinta para ajudar a Amazônia e o Pantanal, ficando sem enviar esforços de combate às chamas que assolaram as grandes áreas desmatadas, nas quais morreram milhares de animais queimados, sem falar dos que ficaram sem seu habitat e, provavelmente, morrerão em função disso. Para piorar, perdoaram entidades milionárias que eram acusadas de crime ambiental, além de desmontar entidades responsáveis pela fiscalização de tais crimes. Irônico, né? Mais irônico ainda foram as 474 modalidades de agrotóxico que essa mesma caneta aprovou, envenenando nosso solo, nossa água e, consequentemente, todos os animais e a nós próprios. Faça um teste: tente comprar, para seu bichinho amado, uma ração que não tenha um “T” dentro de um triângulo amarelo, carimbado em seu rótulo. Difícil, né? Pois é… Cada vez que você vir isso numa embalagem, significa que ali há resquícios de produção transgênica, a qual só se desenvolve sob a aplicação de fortes agressores químicos. Os fabricantes dos produtos que propiciam a transgenia nadam em rios de dinheiro, graças ao governo, enquanto uma pessoa comenta a reportagem, elogiando a lei de 21 anos atrás, como se ela tivesse sido inventada agora: “Já era hora de criarem essa lei…. “. Viu só? “Criarem”! A narrativa está montada. O jornal comemora. O leitor comemora. O diabo comemora!
A maior de todas as ironias é que na própria matéria citava a data de criação da lei original - 1998. Mesmo vivendo a grande era da informação, é sabido que, em maior parte, a população se atenta apenas às narrativas que são impostas. Somos seres amantes da ilusão e os nossos cães vão morrendo, junto de nós, pela boca. Os outros animais vão morrendo queimados, junto de nós que respiramos a fumaça, com cada vez menos chuva.
Sempre adoramos nossos espelhos, mas agora gostamos mais de nossas câmeras, cheias de filtros e opções, nos tapeando de nós próprios em nossas selfies compulsivas.