Um Natal sem Balduíno

          Não somente os curiosos abrem a Caixa de Pandora. Já se sabe, pela mitologia, que essa caixa é receptáculo de escondidas surpresas, mas também de maldades, de coisas infelizes e ruins à humanidade. A curiosidade é boa, enquanto nos estimula a procurar saber, busca poetizada pelo filósofo Parmênides; chegaria a ser “curiosidade socrática”, que nos incita a diminuir a modéstia do “eu sei que nada sei”... Ora, tudo isso tem seu relativo limite aquém  do que seja infinito, como é a Sabedoria. De Adão, o pecado não foi sexual, mas o de desejar saber e poder igual ao seu Criador. Também os gananciosos abrem a Caixa de Pandora, desejando que ela contenha riquezas e luxúrias. Entre o saber e o poder, há uma forte correlação...
          Não se precisava abrir a Caixa de Pandora para se verem as mortes das mulheres e dos homens de boa vontade, como a de Balduíno Lélis. Na Caixa, dentre malefícios e infelicidades, estavam as mortes dos bons, inclusive a do generoso Balduíno, honrado cidadão de Taperoá, do brabo cariri, onde ele caminhou ao encontro das pedras, encontrando caveiras do gado, esqueletos de calango e lagartixa, de minúsculos mamíferos, como o preá, até afeiçoar-se aos ossos, deixados pela pesca da baleia, o maior dos mamíferos. Daí, um enorme vácuo na cultura paraibana de um Natal sem Balduíno. Assim será o Ano Novo, com a ausência de quem sempre sonhou novos tempos. Esses desafios o arrancaram, desde cedo, da sua terra para perambular até o outro lado do mundo, o Japão, sem deixar de verificar, in loco , o que sabia sobre a Europa.
          Quando nos chega o Natal, lembramo-nos das coisas boas, como a do meu encontro (2018) com Balduíno, na Academia Paraibana de Letras. Ele, como sempre com um pé no chão e o outro fora da realidade, com a maleta na mão, pediu-me para levá-lo à casa do seu filho. Procuramos o caminho, as anotações da sua desorganizada agenda, entre frases, endereços e telefones, escritos de cabeça pra baixo, ou diagonalmente, cruzando outras letras. Tanto foi difícil achar o endereço como a pretendida casa. Foi quando ele sugeriu que a melhor solução seria dormir na minha casa, hospedagem essa que perdurou quatro dias, para minha alegria e para maravilhar-me com suas conversas acerca de tudo. Uma pessoa de conhecimento eclético e universal, diga-se Balduíno Lélis. Deu motivos a novos projetos culturais para a Fundação Casa de José Américo, da qual era eu Presidente; sugeriu à Diretora Janete Rodriguez sua nova visão museológica, em horas e horas, descumprindo seus rendez-vous , fixados por ele.
          Balduíno pertencia a um fenomenal e imaginário mundo, que chega a nos espantar e até a desarrumar “as coisas certinhas da vida”. Nos anos de 1983 a 1985, ensinou-me como recuperar as carteiras quebradas, com a mão de obra dos alunos da sua Universidade do Trabalho, evitando compras de carteira escolar, sem outros interesses, apenas com seu propósito peculiar de servir; muito próprio do espírito natalino. Vai embora com Balduíno parte dos homens de boa vontade; o que se contrapõe aos natais de agora, das montras das lojas; das “Boas Festas” das gerências comerciais; dos supermercados e shoppings, pagando um vestido de Papai Noel para distribuir prospectos  de margarinas e de telemóveis. O Natal deveria ser como os com Balduíno: franciscano e condizente com o nascimento de Cristo. Abriu-se a Caixa de Pandora, lá estava o Natal sem Balduíno. Em Taperoá, seu séquito deve ter sido uma procissão...   
         
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