O mais belo gol do Pelé
Estamos nos anos 1940. Perdia o jogo o time dos aliados. O time dos alemães anotara, no primeiro tempo, quatro gols; o dos aliados, nenhum. Os jogadores do time dos aliados, mesmo em situação tão adversa, acreditaram que poderiam ganhar o jogo. E foram ao campo, para a metade final do embate. Anotaram, em poucos minutos, três gols. Pelé, contundido, sentado no banco de reservas, suplicou que o deixassem entrar em campo. Após pouca, melhor, nenhuma, resistência, deixam-lo jogar. E ele anotou um gol-de-placa, de-bicicleta, belíssima pintura, obra de arte de um gênio do esporte. E ao encerramento do jogo, a multidão, encantada com a primorosa exibição de destreza futebolística dos jogadores do time dos aliados, invadiu o campo, num vertiginoso e contagiante fervor cívico.
Nas poucas palavras do primeiro parágrafo, um esboço do trecho final do filme Fuga para a Vitótia (Escape to Victory), de John Huston. No elenco, além do Rei do Futebol, Pelé, avatar de Edson Arantes do Nascimento, que faz o papel de Luiz Fernandez, estão os conhecidíssimos Sylvester Stallone (Capitão Robert Hatch, o goleiro), Michael Caine (Capitão John Colby) e Bobby Moore (Terry Brady).
Assim que liguei a televisão, vício que às vezes me permite gratas surpresas, sintonizei em um canal qualquer e zapeando cheguei ao que transmitia o filme do John Huston - eu não o procurava, pois eu não sabia que tal filme existia. Jamais me havia passado pela cabeça que algum cineasta tivesse reunido, ou que em algum dia reuniria, no elenco de um filme, o Pelé e o Stallone, e o Michael Caine, e famosos jogadores que exibiram seu jingado de corpo há décadas, antes de eu vir à luz. Foi por acaso o achado. Na tela, vi, assim que sintonizei o canal, que não anotei, para a minha surpresa, a figura inconfundível dos eternos Rambo e Rocky Balboa, uniforme de goleiro, azul, embrulhando-o, sob e entre as traves de um gol. Curioso, li a sinopse do filme e os nomes que figuravam em seu elenco; surpreendi-me ao me deparar com o de Pelé, o Rei do Futebol, velho de guerra, mestre do ludopédio, esportista que encantou multidões nos cinco continentes e que mereceu crônicas encomiásticas de escritores ilustres e atenção de Vilém Flusser, que, nele inspirando-se, escreveu um curto tratado acerca dos mitos.
Não assisti ao filme. Dediquei-me a ver os seus vinte minutos finais. E só. Ao ver, surpreso, o Sylvester Stallone paramentado para um jogo de futebol, num campo de futebol, decidi seguir, atentamente, os minutos restantes do filme, sonhando - sim, sonhando - ver o majestoso Rei do Futebol marcar um gol, um belíssimo gol. Era essa a minha expectativa. Mas Pelé estava machucado, no banco de reservas. Todavia, acreditei que ele, impelido por alguma força misteriosa, iria regressar ao campo e anotar um gol. E não me frustrei com o que vi: Pelé marcando um gol-de-bicicleta. Gol-de-placa. E para fechar o filme com chave-de-ouro, Stallone intercepta a gorduchinha logo após um jogador alemão cobrar de pênalti.
Agora eu posso, orgulhoso, anunciar aos quatro ventos: Vi o Pelé marcar o seu mais belo gol.