Carta de não sei do quê

Olha, não me leve a mal, mas hoje joguei fora nossas lembranças. Pode parecer um pouco dramático, e talvez seja mesmo. Não é fácil não ser, ainda mais tendo eu lua e ascendente em peixes.

Na verdade, eu não joguei fora. Juntei cada foto que tínhamos juntos, especialmente aquelas que você imprimiu e decorou o lugar onde fez aquele jantar que prometeu pra mim que seria pra sempre. Coloquei na mesma caixa que você me deu com juras de amor e carinho e misturei com os bonecos que me presenteou em mais de uma ocasião, completando com duas ou três cartas de amor.

Você ficaria admirado em saber que coube tudo em menos de uma caixa de sapatos. Os livros foram os que mais ocuparam espaço.

Talvez eu seja mesmo dramático. Mas sou, também, simbólico. Suas marcas não estão nos quatro cantos do meu quarto, nem nas paredes que aqui não pintamos, muito menos na mesa que não nos sentamos tantas vezes pra comer.

Essas lembranças, da caixa de sapatos, queimaram com meio litro de álcool 70 em uma lata velha de tinta. Os livros não queimaram tão bem, mas a dedicatória eu fiz questão de arrancar e usar como papel pra iniciar o fogo.

Olha, eu queria queimar você de dentro de mim com um pouquinho de álcool e um fósforo. Mas não é assim que as coisas funcionam, infelizmente.

Eu pedi a deus, cuja certeza na crença eu nem sei se tenho, que queimasse junto com aquele monte de coisa, cujo o significado já tinha vencido a validade, todo sentimento que eu tenho por você, cada uma das nossas lembranças guardadas em mim.

Seria capaz de me dar ao luxo de deixar que fosse junto até mesmo as boas, as perfeitas, aquelas que torci pra que nunca acabassem, mas que acabaram.

Acabaram. ACABARAM. Eu sei que esse sentimento vai acabar assim como tudo o que nós vivemos. Vai acabar como o chá que tomo enquanto escrevo essas palavras.

Ah, por acaso eu desenvolvi o gosto por tomar chá. Comecei pela caixinha de capim cidreira que compramos e ficou aqui esquecida. Um dia triste me lembrei das infinitas vezes que o Sheldon recomendava a hot beverage para alguém que está triste. Seria algo que te diria normalmente. Ou talvez me esqueceria de dizer enquanto me perdia em ouvir sobre seu dia e as coisas que aconteceram com você.

Bem, é isso. Só queria te dizer que tomei isso tudo como uma definição. Pode parecer que estou um pouco ressentido, mas não posso afirmar com certeza se estou ou não. Tudo bem se estiver, não posso cobrar de mim que não esteja depois de todo esse turbilhão de acontecimentos.

Eu não sei como acabar esse tipo de cartas. Principalmente uma que não vou enviar. Já escrevi algumas de amor, já me quis e me imaginei escrevendo uma ou outra de raiva, mas nunca escrevi uma assim. Vou tomar emprestado uma forma de finalizar textos de quando eu ainda era criança, mas não sei se é o melhor. Antes que eu me esqueça, me desculpe qualquer coisa.

Fim

Gilberto Junior
Enviado por Gilberto Junior em 23/12/2020
Reeditado em 23/12/2020
Código do texto: T7142312
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