A crônica de um leigo sobre o Natal

Quando eu era criança não entendia ao certo porque o Natal era uma data que se dava e recebia presentes. Venho de uma família católica praticante, com santos pregados na parede e tudo mais. Eu entendia que estávamos comemorando o nascimento de Jesus, via os presépios nas igrejas e em todos os lugares e entendia que era a comemoração do nascimento do Senhor Jesus, mas por que presentes para nós se a “festa” deveria ser dele? Essa contestação sumia na mesma velocidade em que eu abria a embalagem dos presentes que eu recebia, e a dúvida permanecia, lá dentro, crescendo ano a ano. Claro que quando eu era criança não perguntava o porquê de estar recebendo os presentes, eu apenas o abria e quando não era roupa, agradecia, senão já entregava a roupa para minha mãe e passava para o próximo presente.

Na Bíblia, no livro de Mateus para ser mais específico, o único que narra a visita dos reis Magos ao menino Jesus depois de seu nascimento. Os magos vêm do Oriente e presenteiam o menino Jesus com ouro que simbolizava um presente para um rei. Incenso que representa a espiritualidade e mirra que era usada antigamente embalsamar corpos para simbolizar eternidade. A linguagem da Bíblia é cheia de alegorias e parábolas. Acredito sim que Jesus veio à Terra para remissão de nossos pecados. A simbologia dos presentes tem um significado muito forte para nós humanos. Imagine explicar algo para alguém que não entende os valores do que será explicado? Querer dizer algo diferente do que está escrito? Complexo? Complicado? Sim, eu sei.

O ouro desde sempre foi considerado um metal de alto valor, puro, que ilumina. Traduzindo o ouro para a vida de Jesus, não consigo imaginar outra coisa que não seja o amor mútuo entre pessoas, animais, natureza e tudo ao nosso redor, independentemente de sexo, raça, cor, credo, gênero, e qualquer outra diferença que possa ser usada contra o amor. Claro que existe um antagonismo muito forte entre ouro e amor, pois, ser escravo ou dominado pelo amor seria muito melhor que ser escravo do ouro. É nítido e claro (como ouro) que o amor foi a maior riqueza que Jesus nos deixou. Renato Russo versou em sua música Monte Castelo, uma das cartas de Paulo aos Coríntios sobre esse tema.

Indo para o segundo item, o incenso, é usado em muitas cerimônias religiosas mundo afora, produz cheiro e fumaça, e está intrinsecamente ligado ao espírito, à paz. Nossos sentidos humanos de olfato e visão, felizmente ou não, são muito mais aguçados que nosso espírito de paz. A semelhança entre o espírito de paz e o incenso é que ambos podem ser sentidos. O incenso pelos sentidos humanos e a paz somente pelo espírito. A passagem de Jo. 8, 1-11 (quem nunca pecou atire a primeira pedra), deixa claro a paz de espírito de Jesus. Ele poderia simplesmente ter concordado em apedrejar a mulher adúltera depois dela ter cometido o pecado, que estava na lei de Moisés, mas não, isso não traria a paz.

A passagem narrada no livro de João, reforçou a mensagem de Jesus, de querer semear a paz e não a discórdia. A paz é evitar o conflito, ter calma, tranquilidade, ele não veio para colocar ordens e mais leis, mas sim para fazer uso da paz. Para finalizar a passagem, ele nos convida para um auto exame de consciência, pois a paz é interna e o seu principal objetivo é externalizá-la. E finaliza a passagem dizendo, “...quem nunca pecou que atire a primeira pedra”.

A mirra era usada para a conservação do corpo, com o intuito de preservar a pessoa mesmo depois da morte. Conservar o corpo. Hoje, ainda não temos como trazer uma pessoa que já se foi de volta à vida, nem acredito que será possível até a volta de Cristo. Mas, o que a mirra nesse sentido representa, é o evangelho, as ações de Jesus escritas, expressas em palavras e as boas ações que isso causa. São nossas decisões, ações e atitudes para e com as outras pessoas que ficarão marcadas, e para mim, como um amante das palavras, meus textos e pensamentos que deixarei escritos serão parte da minha história. As emoções, lágrimas e risadas, alegrias e tristezas que provocamos e ainda serão lembradas, eternizadas de acordo com as pessoas que as receberem ou participarem do momento e de nossas vidas. Por isso, acredito que a palavra em geral e acima de tudo o evangelho, consegue vencer um dos maiores adversários que enfrentamos como seres humanos, o tempo. Como começa João em seu evangelho, "No princípio era o verbo, e o Verbo estava junto de Deus e o Verbo era Deus". A palavra tem o poder de eternizar o momento que seja entre 2 ou entre 1000 pessoas, ser o melhor que se pode ser com todos, sem diferenciação.

Por isso, desde alguns Natais não presenteio mais ninguém nesta data, mas assumo, que vira e mexe ganho um ou outro presente. E se realmente é para comemorar o nascimento do Salvador, eu sinceramente, não preciso ganhar nada, e se caso precise ajudar alguém em necessidade, ajudo sem problema. Mas creio que a mensagem do natal ainda está sendo interpretada e divulgada de uma maneira equivocada, até porque ninguém vai no aniversário de alguém, corta o bolo e assopra as velas do aniversariante, né? Tenho um enorme respeito pelo Natal, mas infelizmente, em minha concepção, a data está vulgarizada com luzes artificiais porque a nossa luz humana está causando mais incendio do que iluminando. As vitrines com placas de descontos guiam as pessoas como zumbis para dentro das lojas e é claro muita maquiagem para embrulhar e esconder a hipocrisia que os presentes escondem. Em poucas palavras viramos escravos do consumismo e queremos apenas mais um motivo para comprarmos e recebermos presentes. Poucas pessoas ainda se importam com o verdadeiro significado da data. Nos tornamos tão egoístas que não dividimos mais o amor que temos, consumimos ele com voracidade. A História nos mostra e não aprendemos, nos tornamos narcisistas em pleno século XXI, o lago onde nos observamos são nossas redes sociais, espelhos e câmeras dos smartphones. Transformamos o nascimento de Jesus em uma data de comércio, e o amor que deveria ser uma permuta, algo recíproco entre as pessoas, se tornou acumulativo, amor próprio exacerbado que é medido através das nossas vaidades. Espero que isso mude com o tempo. Neste caso, comemorar o nascimento do Senhor Jesus para mim é presenteá-lo usando seus ensinamentos, e até seus presentes. Até porque não creio que, a fumaça do incenso que também simboliza o espírito, muito menos os dízimos das igrejas, chegue lá em cima. Deus nos enviou seu filho para a remissão dos pecados, e ele deixou disponível para nós seus presentes que recebeu em seu nascimento para sempre podermos usar, dividir e compartilhar e não acumular.