Eu já te contei?

Contei sim, aqui mesmo no recanto, não é uma repetição tim tim por tim tim, mas são histórias vividas, lembranças que não desejo esquecer. Sim contei algumas histórias de minha mãe. Dona Maria Vitória, a mulher que na sua tenra infância, adorava estudar, declamar poesias e um dia no seu 2.º ano de escola, seu pai, meu avô, um filho de italiano arretado, vai na escola e tira a minha mãe, dizendo que mulher não precisava estudar. Ela pedia:

--- mas pai... ele retrucava:

--- não, não e não!...

Minha mãe numa de suas conversas comigo que estava escrevendo sua biografia, me dizia:

--- Lourenço, pode escrever tudo isso aí, mas eu não guardei mágoa de meu pai, ele até que me agradava mais do que a minha mãe, é que essa saída minha da escola me machucou muito!... eu a interrompia:

--- nossa! Mãe, a senhora hoje seria uma famosa escritora, talvez uma ativista.

Ah! Também nem tanto, (depois ela me perguntou o que era ativista) apesar que eu nunca deixei de ler nem escrever, porque ao pegar a missão de ser catequista, tive muita ajuda dos padres e de muita gente estudada que eram amigas e me ajudou a estudar os livros para eu ser catequista por mais de 60 anos, trabalhar nos serviços sociais também, interrompeu por uns tempos seus trabalhos religiosos, por causa do falecimento de meu pai que parte com seus 53 anos. O interromper a sua missão era para minha mãe trabalhar para acabar de criar os seus filhos menores, inclusive eu!(...)

Ao escrever a sua biografia ela me dizia:

---você pode escrever tudo isso, não me sinto a maioral, pelas coisas que fiz, foi apenas para ajudar os meus semelhantes, que é um dever de todos os cristãos.

Escrevia bastante coisas relacionadas à sua vida, depois lia para ela, com toda atenção muitas vezes me elogiava, outras vezes mandava mudar algumas coisas.

Minha mãe tinha muita afeição pela minha esposa, que é evangélica, eram como se fosse mãe e filha. As duas eram tão amigas, que contradizendo o que muita gente disseram:

--- sua mãe que é uma católica até no fundo d’água, jamais vai ter uma convivência pacífica com sua esposa que é uma evangélica convicta também. Mas minha esposa Neyde e minha mãe Maria Vitória, eram amigas pra valer.

Algumas vezes minha mãe dizia:

--- Neyde, precisava ir até na minha igreja visitar o Santíssimo, mas sozinha não consigo. Minha esposa dizia:

---- eu levo a senhora.

---- me leva, mas você pode entrar na minha igreja?

----lógico que posso! E lá ia as duas. Minha mãe saia da igreja chorando, mas era de felicidade!... Eu brincava com minha esposa:

---- vou falar para o Pastor de sua igreja que você entrou numa igreja católica! Ela respondia:

---eu não como na casa do Pastor!!!

E assim o tempo passava, minha mãe completava 95, 96, 97 anos, depois dos 98 anos sua mente começou ficar confusa, aproximava dos 100 anos e a demência era quase completa, na casa de minha irmã ela era cuidada, numa de minhas visitas via a minha mãe naquele estado e nos meus pensamentos indagava:

---- Jesus, porque não preservaste a mente dela perfeita, nestes fins de seus dias? Ela ensinava a sua história!

E no ano de 2010, essa guerreira, Maria Vitória, parte para a Pátria Celeste, eu na minha insistência dizia:

--- Senhor, ela tem que estar no seu Paraíso, onde não existe tristezas!...