DISTRIBUINDO LISTAS TELEFONICAS
DISTRIBUINDO LISTAS TELEFÔNICAS
O seu Vicente, tio do Zé Guardinha, trabalhava na CTB- Companhia Telefônica Brasileira dirigia uma camionete verde com uma escada de madeira no teto, fazendo instalações e consertos de linhas telefônicas. Na década de 1960 todos os telefones eram de discar, aqueles que os números são impressos formando um círculo e sobre eles um círculo com um furo para cada número. Para fazer uma chamada, a pessoa colocava o dedo no furo correspondente ao número e girava o disco superior no sentido horário até um limitador que havia ao final do curso. Isso após ouvir um sinal que podia começar a discar o telefone para o qual queria efetuar a ligação. Normalmente as ligações eram sem muita qualidade, mas as pessoas conseguiam se comunicar. Comparado com ao sistema que utilizamos hoje, com telefonia celular e outros aplicativos como Skype, vivíamos na pré-história da comunicação telefônica. Possuir telefone era sinal de status e as linhas eram comercializadas com valores altos, havia empresas especializadas em vender e comprar telefone. Depois da CTB, que era nacional, apareceram as telefônicas estaduais, Telesp em São Paulo, Telepar no Paraná, Telesc em Santa Catarina, Telerj no Rio de Janeiro, etc. Os funcionários que trabalhavam com as camionetes da CTB tinham cargos razoáveis. Em cada casa havia um livro grosso onde constavam todos os assinantes de cada cidade, cujos números de telefone podiam ser localizados por nome, na primeira parte, ou por endereço, na segunda parte. Eram as Listas Telefônicas. As empresas assinantes eram localizadas na terceira parte da lista, onde podiam fazer propaganda de seus serviço, as famosas “páginas amarelas”. As listas eram impressas por editoras especializadas que vendiam os espaços de propagandas na lista e era essa receita que pagava o custo de edição. A cada ano as listas telefônicas eram renovadas, editando-se a lista telefônica do ano em vigência que substituiriam as listas do ano anterior. Anualmente os funcionário como tio Vicente eram responsáveis pela troca das listas telefônicas, entregando aos assinantes a lista do ano e recolhendo as listas de anos anteriores. Esse serviço de fornecimento da listas telefônicas era gratuito. Vicente chagava com a camionete com a carroceria lotada de listas. Chamava eu, Zé Guardinha e Cadão e nos orientava a entregar as listas, definindo os setores da cidade que entregaríamos os exemplares. Embora esse serviço fosse gratuito, sempre aparecia uma gorjeta e era nisso que Vicente contava nos ajudar. A gente saia pelas ruas de São Vicente, dando preferência aos endereços mais chiques. Entregávamos a lista nova, recolhíamos a antiga e, caso o assinante não se mexesse, pedíamos uma gorjeta. Muitos davam espontaneamente, outros só após solicitarmos e muitos nem escutavam nossa solicitação. Mas ao final do dia havíamos recolhido uma boa importância que dividíamos entre os três.
Tudo corria muito bem e, certo dia, fomos distribuir aqueles livros muito grossos na elitizada região da Ilha Porchat. Após entregar em várias casas, fui fazer a entrega nas instalações do antigo Cassino da Ilha Porchat, onde anos depois seria a sede do Ilha Porchat Clube. O Cassino da Ilha Porchat havia sido fechado por decreto do Presidente Eurico Gaspar Dutra que proibia o jogo em todo o Brasil. E permanecia fechado desde 1946. Instalações luxuosas e imponentes, havia zeladores que cuidavam do local e tive a iniciativa de entregar a lista lá, acreditando que receberia uma boa gratificação. O prédio era mais ou menos como hoje, havia uma grande varanda de frente para a Praia do Itararé a uns quatro metros de altura da areia. Após bater muita palma, tocar campainha, gritar, resolvi alcançar a varanda me equilibrando por fora dela me apoiando na mureta. Assim alcancei a parte frontal e reiniciei a bater palmas, pois as grande portas que ligavam ao salão principal estavam abertas. Tudo escuro lá dentro, em contraste com o sol forte que batia na varanda. Após muito chamar atenção notei que lá longe no salão algo se movimentava e acreditei que seria atendido. De repente, do nada aparecem dois imenso cães pastores alemães com cara de poucos amigos, latindo muito e correndo em minha direção. Não teve outra solução. Joguei-me a areia, caindo no meio de um circulo de pedras. Ao bater os pés na areia, o impacto que sofri afetou o diafragma que fiquei sem respirar e sem falar. Aos poucos fui voltando ao normal e consegui contar aos amigos o acontecido. Continuamos a entregar as pesadas listas.
Paulo Miorim 11/12/2020