Consolação
Embarquei e, como não tivesse lugar para sentar, permaneci de pé, ancorado nos balaústres. Subitamente, sinto alguém me tocar na perna esquerda, era um senhor, um velhinho de cabelos brancos: "Posso conversar com você um pouquinho?". Sorrindo, mas sem me alterar, respondi que "não" com a cabeça. O velho deve ter me julgado rude, mal-educado, insensível às suas carências geriátricas, às suas sábias reflexões remoídas no transcurso de uma vida inteira. Apesar da petulância, afinal, quem cutuca a perna alheia para solicitar uma entrevista?, eu não o culpo, porque o homem não pôde ver o meu sorriso de simpatia sóbria. Parada. Solavanco. Incômodo. Gente entrando. Pregões dos marreteiros: "Pessoal, primeiramente aquela boa tarde abençoada por Deus (...)". Não falei com ele, mas, durante toda a viagem, me mantive curioso, queria descobrir se fizera bom negócio em não ouvir as trelas do velhinho. Eu o olhava de soslaio. Entra uma mulher, se põe ao lado do homem e o obstinado desata: "Moça, sabia que o Lula é inocente?". Mais perto dos meus ouvidos do que os fones que eu não usava, mas poderia, ouço, aliviado, o retumbante anúncio bilíngue da minha libertação: "Próxima estação, 'next station', Consolação, desembarque pelo lado direito do trem". Fui sem ver o rosto do velho.