QUEIMA DE ARQUIVO

Caminhando, voltando para casa, deparei-me com um velho colchão de casal atirado à própria sorte, num canto da calçada, esperando pela condução de sua última viagem, que o levará provavelmente até seu destino final: o lixão.

Dei uma olhada disfarçada, pois não queria parecer um perito criminal, a examinar os restos de um triste desfecho.

E aí pensei: "Coitado, já deve ter sido muito cobiçado e bem tratado, há tempos. Agora está aí, exposto, nu ao sol e chuva, com suas "marcas" e suas "cicatrizes."

Aqui pra nós, o coitado estava bem "sambadinho"...

Realmente, havia chegado a hora dele descansar e ficar com suas memórias... Se é que colchão pensa ou lembra de alguma coisa, porque se assim fosse, ai ai ai de todos nós!

O colchão é mais íntimo que muito marido!!!

Ele sente que você engordou, sabe se você ronca, ou tem escapes de xixi noturnos... E quando come aquele prato tradicional de sua tia: repolho enfeitado com ovos cozidos? Tem muito marido que não aguenta e vai dormir na sala, mas o colchão?! Está lá, firme e forte com você!

Companheiro de tantos momentos, sabe o quanto você chorou quando levou aquele pé-na-bunda... E o quanto você foi feliz quando ele resolveu voltar!

Guardou segredo quando você se atirou de costas sobre ele, pra poder entrar naquela calça comprida manequim 36, e duas amigas empurran... digo, ajudando.

Também aguentou calado suas trapalhadas, quando você encheu o quarto de BFF e derramou sobre ele meia garrafa de refrigerante. De dois litros!

Tudo suportou.

Até mesmo o xixi de sua primeira filhinha, quando você ainda aprendia a arte de ser mamãe...

É engraçado pensar que algo que nos acompanhou em tantos momentos importantes ou comuns, precise ser descartado.

Esse colchão a que me refiro, certamente já foi substituído por outro mais moderno, mais anatômico, mais asséptico, e com tecnologia da NASA!

E levará com ele "pedaços " da vida de alguém, ainda que seja em absoluto silêncio.

E nós, entre o alívio e a nostalgia, suspiraremos aliviados:

"Graças a Deus, colchões não falam!"