Tempos de amores perdidos
Passamos por meses difíceis, e um abraço apertado nunca fez tanta falta. Os olhares distantes e de saudades, alguns de dor e angústia, representaram muito do que enfrentamos com o clichê do ‘inimigo invisível’. Nossas dores nem sempre foram compartilhadas. A compaixão à agonia do próximo, não existiu. Dias difíceis. E nunca um aperto de mão, um beijo no rosto, uma carícia de perto na pessoa que ama, fizeram tanta falta. Dias que precisam ser entendidos.
Passei por este período cheio de dúvidas. Não sabia para qual caminho olhar, em qual estrada iria correr. Saí às ruas, desertas, sentindo-me um infrator dos novos costumes. Mas precisava pensar.
Era o início dos tempos assombrosos que logo iríamos perceber. Em março todos fecharam suas portas. O comerciante perdeu a clientela e o prato de arroz e feijão ficou mais caro. O moço da banca de frutas em frente à Catedral, precisou comer o seu estoque para resistir. As crianças ficaram em casa e os pais tiveram que reaprender a divindade de serem pais. Há tempos não se via tantas brincadeiras nos quintais.
Os avós fizeram tamanha falta que, finalmente, os outros parentes se importaram com eles. Idosos ficaram em casa: não puderam ir a supermercados, ou bater perna na feira livre – que também fechou logo de cara. E muitos velhos da vida deram adeus em meio ao isolamento de seus lares. Cômodos vazios da esperança que tanto acometiam os sorrisos dos netos bagunceiros. Morreram, muitos, na cama da solidão.
Não se via mais nas praças dos bairros o movimento dos jovens com a bola de baixo do braço. As praças, apenas os moradores de rua continuaram frequentando. Sem uma vida a mais para encontrar, estes enfrentaram tamanho desafio apenas com a coragem e a habilidade de sobreviver. Para eles, os tempos sempre serão difíceis.
Ficamos todos em casa. E cansamos. Munidos de informações desencontradas sobre o que ocorria, as discussões foram aos montes. Acalorados por um momento que essa geração nunca passou, os debates em torno do assunto se tornaram frequentes. Primos brigaram e não se falam mais. Amigos de infância hoje se ignoram por conta de opiniões distintas. Casais que antes estavam se formando, não querem mais se ver.
Esse vírus, seja lá de onde for, trouxe consequências a mais do que a vida. Tirou muito do que não tínhamos e trouxe além do que precisávamos para entender a nossa existência: necessitamos sentir saudade; a falta nos ensina; os filhos carecem de atenção e os avós de cuidados.
Agora, uma luz se aproxima. Parece-me que muito em breve seremos revestidos de uma dose de remédio e poderemos voltar à rotina. A tão admirável rotina, que nos espera sentada na mesa do café, lendo o jornal diário da hipocrisia e dos tempos de amores perdidos.