Um mundo fantástico passava naquela rede!

Se tem uma coisa na vida gostosa de fazer, é contar história prá criança!

Mesmo com todos os aparatos modernos de hoje em dia, quando você começa a contar uma história bacana, a criança para, escuta, e viaja, viaja com seus olhinhos curiosos e atentos.

E como essa viagem é fantástica!!!

Na minha infância eu vivia em vários mundos, em outras dimensões, onde eu conseguia sentir a temperatura dos lugares e das pessoas, as cores eram vívidas, os odores diversos, havia reis, rainhas, bruxos, saci, os feios, os pobres, os lindos...

O que me fascinava na verdade, era a vida dos autores, eu achava que prá conseguir "inventar" uma história, o autor deveria ter em sua cabeça uma "caixinha mágica". Na verdade, a minha mãe que contava a vida deles, e que dizia que eles tinham uma caixinha mágica na cabeça, e outra no coração.

A caixinha mágica na cabeça de Hans Christian Andersen era uma das que eu mais gostava. Ele era pobre, feio, mas, cheio de coragem.

Ninguém acreditava nele quando afirmava que queria escrever dramas em verso e recitá-los. Aliás, este foi um pedido que ele fez ao príncipe, que deu-lhe como resposta o conselho de aprender um ofício útil, como por exemplo a marcenaria, pois recitar os dramas era uma coisa, mas escreve-los era outra bem diferente.

E mesmo assim, ainda bem jovenzinho, ele pegou o pouquissimo que tinha, despediu-se da mãe, e partiu em busca de fortuna, com a certeza de que as gerações futuras ainda venerariam seu nome.

Louco isso não? É preciso ser realmente obstinado!!

O Patinho Feio, era o relato de sua própria vida. Na verdade, seus contos são a descrição poética dos pequenos pormenores do seu cotidiano por muitos anos bem contubardos.

Minha mãe era leitora assídua da Revista Seleções, o que era ótimo para mim, porque muitas das biografias que ela lia eram provenientes da revista. O dia que ela me contou a história de Sócrates eu fiquei maravilhada!!!

Ele era tão feio, que seu aspecto era até cômico, e era pobre também! O último diálogo dele com seus amigos antes de tomar sua taça com cicuta da qual havia sido condenado, foi mais do que inquietante, instigante e mais todos os "ante" que você possa imaginar

Minha mãe fez a história de Sócrates ser ainda muito mais maravilhosa do que já era.

Ela queria na verdade mostrar o poder libertador do mundo das idéias, ela sempre dizia que a pior preguiça é a preguiça de pensar, e que se libertar no pensamento é mais rico e mais belo do que qualquer outro conceito que possa existir.

Isso sem contar as histórias da Cobra Gigante lá de Belém/PA, e de como a minha avó foi colocada em uma árvore oca quando nasceu. Minha bisavó era francesa, e ficou grávida de um negro que era empregado da fazenda. Naquela época, mãe solteira...Já viu né?!

Monteiro Lobato, Marco Polo, Fernão de Magalhães, Miguel de Cervantes, Zumbi, a linda história de amor de Elizabeth Barret e Robert Browning, e suas intermináveis cartas de amor (vale a pena pesquisar!), Hermes Trimegisto (por esse serei sempre apaixonada!)

Nossa!

As histórias com seus trajetos, com começo, meio e fim, eram contados normalmente após o café da tarde.

Sentava com minha mãe na rede (hábito de paraense), e lá ela ficava doce e pacientemente, literalmente "falando da vida dos outros". E claro, que daquela rede, ouvi as histórias do Saci, dos quarenta ladrões, os contos de fada, enfim, os clássicos infantis.

Aquela rede, minha mãe, e aquela hora da tarde, tinha prá mim um cheiro tão bom, tão peculiar, que não haveria de existir em mais lugar nenhum.Até hoje, eu adoro tomar café da tarde com a minha mãe, pois, sempre entre uma conversa e outra "rola" uma história, eu só não fico mais sentada no colo dela na rede, porque cresci demais.

E eu na verdade estou contando tudo isso, porque hoje nas minhas corridas diárias, em determinado trecho, do nada e como mágica, senti aquele mesmo cheiro.

Cheiro transportador, que me leva e sempre me levará a um reino encantado, um mundo seguro, cheio de amor, paz e ternura.

E para você, qual teu cheiro transportador?