Medo

Medo de sentar no banco da praça. Medo de sentar no chão. Medo de caminhar na rua. Medo de ir ao supermercado. Medo de comprar pão na padaria. Medo de deixar o filho na escola. Medo de assistir filme no cinema. Medo de sair para o trabalho. Medo de chegar ao trabalho. Medo de pegar ônibus, trem e avião. Medo de ficar parado na estação. Medo de caminhar na praia. Medo de parar embaixo da árvore. Medo da árvore. Medo de encontrar com o amigo e de receber o irmão. Medo de ver os pais e nunca mais vê-los. Medo de colocar o lixo pra fora e medo do lixo. E, assim, por todo lugar, grassou o medo...

E, como erva daninha, o medo cresceu, cresceu, alastrou-se, engoliu-nos e nos encheu ainda mais de medo, sufocando-nos. Não havia um só lugar na Terra onde não houvesse medo. As pessoas ligavam seus aparelhos de TV e tremiam de medo. Ouviam o rádio e se assustavam de tanto medo. Consultavam o celular e era mais medo. Todas as notícias falavam o quão era necessário não parar de sentir medo. O mundo precisava que você o ajudasse, vidas poderiam ser salvas se você não desistisse de sentir medo. Não era possível esquecer, nem por um minuto, nem por um segundo, de sentir medo, pois o esquecido também era o descuidado, o irresponsável, o inconseqüente que não era capaz de sentir medo 24 horas, todos os minutos e todos os segundos. Por sua causa e culpa milhares morreram.

Dessa forma, junto com o medo, veio a culpa. E era culpa por abraçar alguém, culpa por visitar os pais, culpa por se aproximar demais do avô, culpa por beijar o filho, culpa por sair de casa, culpa por comprar um celular depois que o seu quebrou, culpa por não sentir medo. Na loucura do medo, havia medos reais e, de fato, apavorantes: medo de perder o emprego, medo de não conseguir pagar o aluguel, medo de ser despejado, medo de passar fome, medo de ver o filho passando fome. Mas também havia medos infantis como medo de caminhar na rua ou andar de bicicleta.

Era tanto medo que houve quem se cansou de sentir medo e correu de medo, fugiu de medo, pulou de medo e morreu de medo. Não foi uma ou outra pessoa. No final, foram muitos que morreram de puro medo. Simplesmente pularam, enforcaram-se, mataram-se e mataram de medo.

Não satisfeitos, os homens da razão, os donos do mundo, quiseram encher ainda mais o mundo de medo e condenaram todos os homens, mesmo os que haviam sofrido de medo durante um ano inteiro, a trancarem-se em casa, durante um longo e rigoroso inverno, a permanecerem sozinhos, pálidos, gelados, trêmulos de frio e medo. Tolos não sabiam que a razão nos abandonara logo no início?

Não havia razão que suportasse tanto medo. Não era a racionalidade e a ciência que nos acompanhavam. Era somente o medo. Os limites da ciência ficaram lá atrás. Mas em nome da ciência, os homens da razão continuavam a pregar o medo e a defender o medo e a não deixar de falar sobre a importância do medo. Tranquem-se! Não saiam de casa! Não abram a janela do carro! A ciência recomenda que só o medo é seguro. Só o medo te protege. Só o medo desculpa. Só o medo inocenta. Só o medo te salva. Só o medo é bom.

Embora a ciência não explicasse nada era preciso ouvi-la em detrimento do bom senso. A ciência não explicava porque uns morriam e outros não. Porque uns adoeciam e outros não sentiam nada. Porque mesmo trancado em casa, seu amigo foi contaminado e como se contaminou. A ciência não tinha outro remédio que não fosse alardear o medo. Inicialmente, disse que seriam três meses, aumentou para seis e, no final, já havia passado um ano. A ciência não sabia quanto tempo seria realmente necessário sentir medo. Apenas dizia: não deixe de sentir medo. Não se esqueça de sentir medo. Estou preparando uma vacina, mas não tenha medo da vacina. A vacina é a única coisa da qual você não poderá sentir medo.

Como isso era possível se o mundo havia se acostumado ao medo e a desconfiar das mínimas coisas? Repetiram tanto e tanto que mesmo as histórias mais fantásticas e malucas de conspiração e terrorismo começaram a fazer sentido. Na falta de sentido, tudo fazia sentido. A política não sabia separar o medo da razão, estabelecer planos, definir estratégias. Não sabia estabelecer acordos para solucionar o medo. A política e os políticos brigavam entre si apavorados. Os homens da ciência também não se entendiam.

Sem saber quem ouvir ou o porquê ouvir, alguns poucos homens foram para o bar beber e beberam uma noite inteira. Só assim esqueceram o medo. E as crianças, que nunca souberam realmente o que os adultos temiam, foram brincar no parquinho. Pular amarelinha. Jogar bola. Subir no escorregador. E graças à inocência das crianças e a inconsequencia dos homens bêbados, o medo deu uma trégua por poucos segundos. Para alguns poucos foi possível respirar sem medo. Apenas respirar.