A VIDA DE MÁSCARA

As pessoas se deixavam ficar paradas, pensando na vida. Todos tinham preocupações sobre o depois da pandemia. As notícias não variavam, falava-se de uma segunda onda, o país beirava a marca de 190 mil mortes e era dezembro.

As luzes de Natal invadiam as cidades, graciosas em sua miudice, muitas e coloridas. Ficavam acesas a noite toda, tentando dialogar com ruas vazias e casas fechadas.

Os lojistas, à falta de ideias melhores, faziam tudo como no ano passado. Havia esperança de boas vendas e dúvidas sobre se as pessoas viriam às compras, com as restrições de circulação e aglomeração.

A promessa de vacina era só para o ano que vem. Para este ano, seria o Natal da pandemia, e talvez fosse apenas o primeiro e não o único.

A globalização fizera com que o mundo partilhasse a incerteza em uníssono. A possibilidade de recontágio colocava a Covid-19 entre as doenças endêmicas. A vacina não podia prever as mutações futuras do corona vírus. Toda a atividade humana, em todo o globo, foi afetada. Era mais fácil se informar sobre a doença do que ter a dimensão exata das transformações que ela forçaria.

Indiferente aos problemas humanos, o mundo girava e trocava as estações. Passou pelo verão, outono, inverno, primavera e se encaminhava novamente para o verão com seus inquilinos bípedes ainda em distanciamento social.

Imprensada entre o aquecimento global de um lado, e a ganância humana do outro, a natureza recuperava um pouco de fôlego com a diminuição das demandas. A vida estava mais básica e mais cara.

Municípios e estados descobriam que não havia um plano nem recursos para enfrentar uma crise sanitária. O máximo que podiam oferecer era tratamento paliativo. Isso se a curva de contágio permanecesse achatada. O caos rondava a administração pública.

Professores tiveram que se reinventar para dar aula à distância e se viram diante do fundamento da educação: a relação afetiva com o aluno é metade do aprendizado. O resto é conteúdo. Os alunos, por seu lado, formularam frases inéditas sobre a saudade da escola, provando que o afeto existia dos dois lados.

Os jovens, com sua vontade de se associar, não podiam sair. Sofriam de tédio e usavam a internet mais do que nunca. Jogos e séries tiveram um aumento gigantesco de acessos. Pais e mães se dividiam entre os que ainda saíam para trabalhar e voltavam para casa com medo do contágio, e aqueles que trabalhavam em home office e se viam às voltas com tarefas domésticas.

Todos tiveram que lidar com a ansiedade em algum grau. Dietas foram abandonadas. Eventos do passado vieram à tona para reexame. Uns conseguiram usar a ocasião para amadurecer, outros precisaram de terapia. A maioria simplesmente seguiu sendo ansiosa.

O supermercado não lotava mais. O cinema não abria mais. A farmácia ia muito bem, obrigada. As entregas de comida aumentaram. A demanda salvou os pequenos comerciantes de fechar por falta de clientes.

Uma nova consciência se formava e, quem sabe, se firmava. A de que devemos respeitar os limites da natureza para não sermos repreendidos por ela. A de que devia haver uma cultura global de preservação pelo bem de todos. Os ventos que sopravam traziam mensagens e augúrios que, agora, a humanidade se dispunha a ouvir. Antes tarde do que nunca.

Crises são catalisadoras de mudanças. O mundo não seria mais o mesmo depois da pandemia. Mas a máscara não roubou o sorriso debaixo dela, apenas o ocultou por um tempo. A vida tem a vocação de viver e vai continuar seguindo-a. A pandemia pode mudar muita coisa, algumas para melhor, outras nem tanto, mas não será a primeira e nos deixará mais preparado para a próxima.

Tangará da Serra, 13/12/2020.

Lucimara Vaz
Enviado por Lucimara Vaz em 14/12/2020
Reeditado em 16/04/2021
Código do texto: T7135443
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