APAGÃO DA EMPATIA

“O amor de quase todos se esfriará

- Jesus Cristo.

Claudio Chaves

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QUANDO aconteceu (janeiro de 2019) o desastre [anunciado] em Brumadinho (MG), um psicólogo afirmou que, a despeito do número de vítimas ser incomparavelmente maior, o impacto emocional – a comoção coletiva – seria menor. E explicou: é um mecanismo natural de defesa. À medida que somos apresentados a cenários trágicos, o cérebro, como uma forma de autopreservação, tende a absorver e a “digerir” de modo mais rápido – também em função da memória criada – os novos traumas.

SAINDO do contexto psicoemocional para o sociocultural, a dinâmica é basicamente a mesma. Caio Prado Jr., ilustrando a influência do meio sobre o comportamento humano, conta-nos uma lenda indígena sobre dois papagaios e como cada um recebeu certo viajor. O primeiro, ao avistar o estranho, começou a praguejar e a rogar por sua execução: “Mate-o! Mate-o! Mate-o!”, clamava. O segundo se mostrou bastante empático e comovido ao perceber a fisionomia cansada do visitante: “Coitado dele! Comida! Comida! Comida!”, implorou o papagaio. Intrigado com os dois episódios, o explorador perguntou ao ancião dono da ave: “Por que existe papagaio bom e papagaio mau”? E relatou sua experiência anterior. “Os papagaios não são bons nem maus”, respondeu o ancião. “Eles apenas repetem o que ouvem”, concluiu. E nós, humanos, culturalmente falando, somos muito diferentes?!

EMBORA, no Brasil, ultimamente, tenha se tornado clichê reduzir praticamente todo tipo de comportamento à suposta corrente ideológica a qual se pertença ou é influenciado, o que estamos vivenciando vai muito além de uma simples disputa – que já seria algo mesquinho – entre os pensamentos direitistas e esquerdistas.

POR MAIS que as correntes ideológicas em questão tenham, direta ou indiretamente, sua influência sobre o comportamento de todos nós, é de seres humanos que estamos falando; e o fato de não sermos mais nem menos do que isso deveria ser o suficiente para não desejarmos nada menos do que o bem-estar de todos. Mas não é o que, em regra, está acontecendo.

POR QUE num dos países com o maior número de cristãos no mundo se percebe tanta hostilidade tanta violência e, ao mesmo tempo, tão pouca empatia e alteridade entre as pessoas?

POR QUE, mesmo ante o apelo de cientistas e outras autoridades acadêmicas e governamentais do mundo inteiro para gestos de empatia e solidariedade tão simples como o uso de uma máscara de tecido – “traje” basicamente cotidiano, há décadas, em várias partes do mundo – e evitar encontros que não sejam inadiáveis (ir a boates, praças, igrejas, praias, bares...) geram mais discussões sobre liberdade individual do que respeito à vida e ao sofrimento, por exemplo, de parentes de pessoas mortas e de profissionais em diferentes frentes de trabalho exaustos, que clamam por essas demonstrações de empatia? O que representa – por mais relevante que seja – a privação temporária e pontual da liberdade e ir e vir (e de poder “deixar os dentes à mostra”) diante de vidas que, caso tais recomendações fossem melhor pesadas certamente seriam poupadas?

DADA a profundidade e extensão do tema em contraposição à brevidade do tempo e do espaço, vale ressaltar, a título de reflexão que: 1) a religiosidade (seja qual fora a matriz o, local e a época) tem como um de suas premissas fundantes exatamente a negação da realidade como forma de driblar (ou suportar) a crueza da realidade, e 2), jamais deveríamos olvidar que o fato de sermos um País professamente cristão significa que a absoluta maioria dos brasileiros se declara seguidora de Jesus Cristo, porém, significa também que tais declarantes podemos muito bem pensar (e agir) como nossos antecessores não tão distantes assim. Ou seja, os colonizadores e donos de escravos, assim como os inquisidores (tanto católicos quanto protestantes) eram, no seu modo de interpretar as Escrituras e o mundo, tão cristãos quanto ou mais que a sociedade brasileira atual.

ALIÁS, uma pergunta que não se sabe ainda se um dia alguém encontrará a resposta: coisas como a colonização e a escravidão – não só na América e na África, mas no mundo inteiro – teriam acontecido sem o aval e o massivo apoio da religião e/ou dos religiosos?