CAFÉ PARIS, NITERÓI, RJ, ANOS 1920 III
BRASIL DOS REIS - E DAS RAINHAS
Nelson Marzullo Tangerini
Brasil dos Reis foi um dos poetas da Roda do Café Paris, que deu a Niterói, ex capital fluminense, um dos maiores movimentos literários do antigo Estado do Rio de Janeiro.
Natural de Angra dos Reis, RJ, onde nasceu, a 4 de maio de 1895, Benedito Angrense dos Reis Vargas, assinava seus sonetos ora como Brasil dos Reis, ora como Brasil das Rainhas.
Vasculhando os arquivos de meu pai, Nestor Tangerini, amigo “parisiense” de Brasil nos anos 1920, eis que encontro um exemplar da revista OQA de 19.6.1930. Com todo cuidado, toquei as velhas, frágeis e amareladas folhas da referida publicação. Na página 39, encontro dois textos de Brasil: um soneto humorístico e uma croniqueta – esta, falando de sua terra natal, Angra dos Reis.
Não me estenderia sobre Brasil dos Reis, uma vez que Emmanuel de Macedo Soares deixou crônica expressiva, intitulada “Brasil dos Reis, o último romântico” sobre o poeta angrense – e, lógico, fluminense.
Limito-me aqui, a escrever sobre este grande nome da literatura fluminense, republicando, aqui, seus dois textos:
“FRAQUEZA RUDE
Certa vez, o Fidelis Patarata,
poeta de pé quebrado e gambias finas,
babou-se por um ‘taco’ de mulata
e meteu-se a rodeá-la das esquinas.
Mas, oh!, desprezo que intimida e mata!
Bufou-lhe a cujas as ânsias fesceninas ,
e o vizinho respondeu, na mesma data,
num vil soneto em frases superfinas.
E o poeta lhe mandava, comovido,
nas estrofes meladas dum soneto,
seu coração em mágoas envolvido.
E o caso (que aqui vai tal como foi)
é que a zinha volveu-lhe, em tom facete,
como só comia coração de boi”.
Antes, porém, de passarmos para o segundo texto, devo explicar o significado da palavra “fescenina”: poesia grosseira e licenciosa que os romanos importaram da Fescência, cidade da Etrúria. Como se sabe, a civilização etrusca misteriosamente desapareceu sem deixar vestígios, e seus escritos jamais foram decifrados.
Prossigo, pois, na pesquisa, publicando a referida croniqueta de Brasil dos Reis, também publicada na revista OQA, de troça, com o pseudônimo Brasil das Rainhas:
“COMO ELES CAEM
O Simplício Simplório da Simplicidade Simples da Silva era de Angra dos Reis. Era de Angra dos Reis como podia ser de outro lugar qualquer, com o que não teria o mínimo prejuízo.
Simplício fazia uma propaganda tenaz de sua terra e não perdia oportunidade para fazer a defesa de Angra, principalmente em se tocando na excelente cachaça da terra.
Há tempos, numa roda de literatos que o Simplício era o indefectível ‘peru’, gabava ele as condições climatéricas do berço de Lopes Trovão. E rematava dogmático:
- No ano tal, em todos os distritos do município, em número de seis, não faleceu uma só pessoa!...
- Mas – indagaram – o que fizeram durante esse tempo, os escrivães do Registro Civil?!
- Pois não sabem?! – rematou o Simplício, na maior calma deste mundo -. Pois os escrivães, naquele ano, morreram todos de fome”.
Brasil, assim o chamavam na roda de poetas, esteve, também, com Luís Antônio Pimentel, poeta e memorialista, membro da Academia Fluminense de Letras, em sua casa, em Angra. Com Emmanuel e Pimentel, Brasil reforçou a história de que havia datilografado os originais de “Comidas bravas”, o desaparecido livro de sonetos pornográficos de Luiz Leitão, livro este que continha um hilariante prefácio de Nestor Tangerini, que o assinou com o pseudônimo ”Frebônio”.
Acredita-se - dizem os estudiosos da história do Café Paris - que, após o lerem, os conservadores, indignados, atiravam “Comidas bravas” no lixo – quiçá na fogueira!, o que ocasionou o desparecimento deste precioso livro de sonetos de Lili Leitão.
Lenda ou não, intelectuais fluminenses procuram este livro perdido, que daria a Lili o título de Bocage brasileiro.
Brasil dos Reis faleceu em sua cidade natal a 22 de abril de 1974, deixando, para os pósteros, uma vasta obra literária e depoimentos sobre esta lenda viva que é a Roda de Poetas do Café Paris, que merece ser tratada como um grande capítulo da literatura fluminense - e brasileira.
Sobre Angra dos Reis, esta cidade nos deu, também, um grande romancista realista: Raul Pompéia, autor dos livros O ateneu, Joias da Coroa, Uma tragédia no Amazonas e Canções sem metro. Pompeia, que nasceu a 12 de abril de 1863, faleceu no Rio de Janeiro a 25 de dezembro de 1895.
Na foto, o falecido escritor e memorialista Emmanuel de Macedo Soares, com Brasil dos Reis [de frente para a câmera]