Cancelem as férias*
Vai ter férias este ano?
Para mim parece que não, mas na praia sempre tem.
Mesmo em tempos de COVID-19, especialmente no litoral, o fim do ano muda a paisagem. De uma forma mais lenta, certamente, mas muda.
Tem estabelecimento contratando. Restaurantes e lojinhas dando uma maquiada nas marquises e fachadas, casas sendo alugadas para o Natal e Reveillon, ou seja, basicamente tudo continuará a mesma coisa para a maioria das pessoas.
Só que com máscara. Ou não…
Porque se tem uma coisa que quase todo mundo fica na praia é folgado.
Andar descalço na rua, fingir demência e entrar no supermercado ou no restaurante sem camisa, tomar cerveja quente 7 horas da manhã, escutar som alto no carro até 3 da madrugada entre outros papelões desta gente bonita e brejeira e sem noção chamada turista.
Mas não tenho nada contra turista, não. Eu até gosto. Mas, principalmente, os comerciantes gostam, os donos de casas de aluguel gostam, os hoteleiros gostam, os ambulantes gostam.
Só quem não vai gostar mesmo é o SUS.
A demanda dos tempos pré-COVID parecia mais que dobrar nesta época dependendo da cidade e agora sabe-se lá o que vai acontecer, porque se tem uma coisa que quase todo mundo fica na praia é folgado.
Vai ter figura entrando correndo sem máscara no supermercado só pra pegar um fardinho de Kaiser ou um pacote de salsicha, ou então olhando vitrine com a máscara no queixo porque deve ser por lá que este ser humano respira, vai saber.
“Ah, com esse calor, não tem corona vírus que aguente”, ou então, “com umas três latinhas já matei o bicho”. Que tal, “isso é coisa de fresco, aqui não pega nada”, ou quem sabe, “não existe esse negócio aí de COVID, não! Só inventaram isso aí pra vender máscara e álcool gel”
Mas a grande amostra de ignorância bovina que eu devo escutar em algum momento nos próximos meses deverá ser a seguinte pérola: “vai ver se nos Estados Unidos e na China eles pararam tudo que nem aqui? Aí a gente para e eles vendem pra nós mais caro!”
Claro, claro, grande mestre das teorias conspiratórias. Para se desculpar da sua folga e deixar de usar um pedaço de tecido na frente da sua carinha espertinha, vale tudo, até fingir que na China não teve lockdown obrigatório ou que nos Estados Unidos (tal como aqui) a coisa sempre esteve sob controle.
Em algum momento de hoje até o dia 20 de dezembro deveremos ir à praia pela última vez até o fim da temporada, salvo algo extraordinário, como por exemplo, o cancelamento das férias de fim de ano, porque simplesmente não é seguro.
A mistura de pandemia e gente sem noção é explosiva, ainda mais no verão das lindas praias catarinenses. Nós, os nativos, continuamos com nossas vidas da mesma forma, cuidando ainda mais porque nossa população mais que dobra e os cuidados caem abaixo da metade.
Quem não tá nem aí vai na onda e tudo tende a virar uma bola de neve com carga viral, não ligando a mínima para nada, inconsequentemente.
Foi assim após cada feriadão neste ano. Quinze dias depois pipocavam notícias de aumento de casos aqui e em cidades vizinhas como Itajaí, Blumenau ou Navegantes. Agora com as férias e mais pessoas vindo até de outros estados, o negócio é ficar dentro de casa mesmo.
2020 está quase no fim e muitas coisas coisas jamais serão as mesmas.
Exceto a falta de noção das pessoas.
Jefferson Farias
*Publicado originalmente em https://ocronistainutil.wordpress.com/2020/12/10/cancelem-as-ferias/