GUERRA E PAZ

Romeu desceu apressado as escadas do velho casarão em estilo colonial no centro de Marília, onde morava seu pai. Há muito tempo não dormia lá. Depois da morte de sua mãe há quase dez anos, afastara-se do pai a quem imputava certa negligência com a doença dela. Estava ansioso para chegar em casa e contar as novidades à esposa. Finalmente ele e o “velho” haviam conversado longamente sobre aquele assunto até ali, tabu para ambos. Acertaram as arestas reais e fantasiosas que tinham um com o outro e de agora em diante, no que tocava a Romeu, vida nova. Na verdade, Elisa sua esposa foi quem o incentivou a procurar o Dr. Afonso, pois conhecia bem o marido e sabia que aquela chaga empanava um pouco sua felicidade. Ele amava o pai, mas o ressentimento criara uma crosta de gelo no relacionamento deles. – Dr. Afonso, um renomado advogado, especializado em causas fundiárias na região de Lins, Marília, Bauru no oeste de São Paulo, era um homem muito ocupado, passava as vezes dias fora de casa em razão de audiências e julgamentos que com frequência ocorriam em outras comarcas. Há tempos fora informado da doença de Guiomar, sabia que ela não duraria muito. Um par de anos talvez, segundo os médicos que a assistiam. Descobriram-lhe já um pouco tarde um tumor no intestino. Submetida aos tratamentos preconizados, foi definhando e apresentando efeitos colaterais que se acentuavam dia a dia. Na mulher sofria o corpo, nele sofria a alma por vê-la naquele estado. Cercou-a de todos os cuidados, montou em casa uma verdadeira estrutura de UTI, não faltavam médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, e cuidadores diversos. Mas mesmo com tudo isso não conseguiu enxergar que ela precisava agora bem mais da presença dele. Não reduziu sua carga de trabalho. Eram causas grandes, clientes importantes, muitos valores e até vaidades envolvidos. Enredado por este torvelinho profissional não percebeu a crescente falta que fazia à sua mulher no dia a dia. Disso ele próprio se arrependia muito, e foi isso que causou seu estremecimento com Romeu. – Quando Guiomar morreu, Afonso estava em Araçatuba, tinha uma audiência importante na manhã seguinte, segundo ele inadiável. Chegou a considerar a hipótese de comparecer primeiro ao fórum na manhã seguinte e só depois ir para casa tratar do enterro da mulher. Só mudou de idéia quando filho conseguiu falar com ele e passou-lhe uma tremenda descompostura. “Que história e essa? O senhor vai voltar para casa imediatamente. O que no mundo pode ser mais importante do que o falecimento de sua esposa e minha mãe?” Sem argumentos, Afonso rumou para casa, mas este episódio foi o primeiro estagio do fosso que se abriu entre eles nos anos seguinte. Só se comunicavam de maneira fria e formal ao longo dos últimos anos. Afonso se casou novamente e o filho não compareceu. Não conhecia a madrasta nem o pequeno Álvaro de três anos, seu meio irmão. – O encontro neste fim de semana, sutira o efeito desejado. Carregado de emoções de parte a parte, os desabafos, agressões verbais iniciais foram cedendo lugar a um clima de conciliação e paz. Ambos entenderam que erraram, mas que na essência ninguém é perfeito e que o amor entre pai e filho, adormecido pelas desavenças agora despertava para um abençoado recomeço. Um comovido abraço selou a paz entre eles. Romeu reconheceu que julgara com excessiva severidade o pai, e saía dali convencido que sua mãe provavelmente estaria sorrindo. São coisas de família que na maioria das vezes se resolve com amor e bom senso.

AVP-08/12/2020
Al Primo
Enviado por Al Primo em 09/12/2020
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