Intérprete

"Quando sua alma está vazia, as garrafas cheias lhe completam"

Essas simples palavras pertencem a uma complicada bartender de horário integral, que trabalha de segunda a segunda em um barzinho medíocre próximo a rodovia. Entretanto, as palavras desta ruiva cativante ecoavam pela minha cabeça de uma maneira tão intensa, tal como uma nova ideia a imergir.

Usando como uma metáfora para a minha vida, acho que uma máquina datilográfica se encaixaria bem melhor no contexto. Sempre quando mostro algum de meus textos, ou até mesmo, quando eu digo que gosto de escrever, as pessoas insistem em me perguntar se sou um escritor, ou eu desejo ser um. Eu não me considero um escritor, o ofício "intérprete" é mais a minha cara.

Mas por que intérprete? Talvez esteja se perguntando. Não é tão simples como aparenta. Eu poderia listar inúmeros motivos/razões nas quais explicassem a minha preferência. Entre elas, posso destacar o meu desejo de ir além do que qualquer escritor comum, consegue entender? Eu quero chegar a um nível onde a maioria nunca chegou. Não que eu esteja os desmerecendo, muito pelo contrário. Estou fazendo a eles o favor de não me considerar, ou até mesmo, me rotular como um escritor. E sendo honesto, eu estou mais para um merda do que qualquer outra coisa.

É que eu tenho como uma preocupação maior ser o mais fiel possível àquilo que é subjetivo, e captar tudo o que alguém deixou passar despercebido. Eu posso até dizer que é minha matéria-prima, a maior fonte da minha inspiração, por que não? Afinal, os meus objetos de estudo nunca foram tão vivos. São momentos, falas, gestos, expressões, repetições... Um cenho franzido, a respiração pesada, a mão levada ao queixo, o balançar das pernas cruzadas, o tempo que levou para me olhar de cima a baixo sem que eu pudesse notar, por exemplo. Ou o seu lado preferido sendo-me revelado a toda vez que você coloca os cabelos por detrás da orelha. Seu lindo sorriso branco ou as bochechas vermelhas que acabaram de lhe entregar.

Quer que eu continue? Sendo direto, a partir que eu percebo algo, essa coisa passa a me pertencer. E o que resta é só passar tudo para o papel, o que não deixa de ser uma tradução. A tradução não de um idioma, mas de uma forma de comunicação não percebida. A ideia é fazer com que quem leia veja muito mais além através dos meus olhos, através da minha intermediação. Pouco menos do que um vidente, e pouco mais do que um voyeur.

Um intérprete, por fim consegue traduzir mais vidas do que um escritor.

Gabriel B C Souza
Enviado por Gabriel B C Souza em 07/12/2020
Reeditado em 07/12/2020
Código do texto: T7129982
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