ESPERANÇA
A manhã despontou ligeiramente nublada. Um friozinho insistente obrigava o uso de agasalhos. Levantou-se rapidamente, vestiu jeans, uma blusa meia-manga e calçou sapatos fechados. Tomou pela mão uma blusa meia estação e saiu para o compromisso do dia.
Percorrreu alguns quilômetros de rodovia, depois, dando seta para a direita. entrou numa estrada de terra batida por onde rodou, aproximadamente, quinze minutos.
Por esta estrada ligeiramente estreita ia observando a paisagem. Árvores frondosas e pequenos arbustos desenhavam a entorno por toda a extensão percorrida. Em aguns locais pequenas flores, brejeiras iam enfeitando a paisagem e dando um toque perfeito à criação divina.
Depois de alguns quilômetros observou que haviam algumas faixas. Faixas, estas colocadas com o objetivo de alertar os visitantes do motivo daquele encontro: manifestação contra o abuso de poder de uma grande mineradora da região.
Seus olhos iam lendo os dizeres e seus pensamentos fugiam para um tempo anterior, onde a dor e o sofrimento assolaram uma população inteira. Sentiu nos olhos uma pontada desta dor que se manifestou em forma de uma pequena lágrima que insistia em verter.
Controlou seu sentimento e seguiu para o compromisso. Um paraíso a céu aberto logo se despontou à sua frente. Majestosamente, uma pequena construção, datada do século passado se fazia presente em sua onipotência religiosa. Cercada por um longo gramado, em um pequeno monte encontrava-se a igreja de São José do Brumadinho. Local de paz e fé.
A população local, de forma organizada, ia recebendo os visitantes e orientando sobre os cuidados que deveriam ter, considerando o tempo que estavam vivendo. Sorriu diante daquela simplicidade e ao mesmo tempo superioridade na condução do evento. Seguiu mais um pouco à frente.
Pequenas gotas de chuva, verdadeiro sereno, começou a cair. Suave, ia molhando os presentes. Todos sorriram diante da ação perfeita da natureza.
Parou próximo a um Cruzeiro e seu olhar vagou pelo espaço. Neste momento teve um sobressalto: Diante da beleza daquele santuário contrastava uma giganteca barragem de rejeitos. Um monstro que atormentava aquela comunidade, que ameaçava seus moradores e que condenava suas casas. As famílias ali presentes pediam por justiça. Direito de ter o direito de morar no local que lhes era de direito. A ameaça real rondava o pensamento de todos e num grito coletivo todos afirmavam querer a retirada daquele monstro que não fazia parte daquele lugar.
O grito singelo de uma senhora pode ser ouvido:
- Queremos ficar em nossas casas.
Um outro ouviu-se mais ao longe:
- Não podem nos tirar daqui, antes deles ivadirem nossa região já estávamos aqui.
Sentiu seu coração condoer. Certamente seriam vencidos por aquele dragão maldito.
Alguém assumiu o microfone:
- Relato para vocês a nossa dor - começou - desde que formos retirados de nossas casas às duas da manhã em um fatídico dia, nunca mais tivemos paz, nunca mais pudemos viver com dignidade, alguns de nós não estão mais em nosso convívio, mas nossa luta continua. Estamos aqui para nos solidarizar com vocês.
Um outro assumiu a fala:
- Somos vítimas de um poder que destrói mas antes deste poder temos a força da palavra daquele que é maior que tudo. Gerações passarão mas meu povo jamais será esquecido. Assim como São josé, que precisou proteger o seu filho de seus algozes, também nós protegeremos nossa terra de seus usurpadores. - e finalizou - Jamais desistiremos.
O coro foi geral: "É aqui que vamos ficar"
De repente alguém sugere uma música, um verdadeiro lamento. O retrato escrito de uma dor vivida num passado recente. Os olhos lacrimejam coletivamente. Todos se lembram desta dor e se condoem com os sobreviventes.
O medo por ali é muito grande. A insegurança impera. Este desespero também pode se abater sobre aquela comunidade. Talvez não conseguirão ver mais suas residências, precisarão abandonar seus lares, suas vidas, seus sonhos. Talvez sejam engolidos por este dragão faminto e os sobreviventes, abandonados à própria sorte.
Uma voz ao longe ainda pode ser ouvida:
- Nós não podemos com eles, mas São José pode.
Sentiu a fé daquele povo. A esperança no Deus vivo que nasce todos os dias nos corações que o procuram e o invocam. Controlou sua fala, para apenas ouvir. Queria entender como isso seria possível. Como pessoas tão simples iriam vencer um ser tão gigante.
E observou uma pequena organização da comunidade. Não sairiam, era o grito coletivo. Por ali ficariam, era a afirmativa veemente. Jamias se dariam por vencidos, era a conclusão final.
Entrou em seu veículo. Refletiu internamente: talvez, quando retornasse àquele lugar, se é que isso fosse possível, não veria mais aquela beleza exuberante da natureza por culpa da ganância da humanidade.
As rodas do carro iam levando um pouco daquela história cravada por entre os frisos dos pneus. Aos poucos a imagem foi cedendo lugar ao pensamento esperançoso: Deus teria misericórdia daquela comunidade.