CAFÉ PARIS, NITERÓI, RJ, ANOS 1920
UM ENIGMA NITEROIENSE
Nelson Marzullo Tangerini
Volta e meia estou envolvido com textos produzidos pelos poetas do legendário Café Paris, movimento literário niteroiense que deixou uma produção poética valiosíssima para a história da antiga capital fluminense.
Hoje, 7.12.2020, voltei a fuçar essa papelada amarelecida pelo tempo e encontrei, entre textos do meu pai, Nestor Tangerini, recortes de jornais e revistas e folhas soltas, o poema “Pelas mãos de Colombina, ao luar...”, que penso ser do poeta Luiz de Gonzaga - ou de Renê Descartes de Medeiros, o galã da roda do referido Café. A princípio, julguei ser um poema do meu pai, mas, pelo estilo, pela maneira de escrever, devo considerá-lo de autoria de Gonzaga – ou de Medeiros.
Quem leu meu livro “Nestor Tangerini e o Café Paris”, publicado pela Nitpress, Niterói, RJ, 2010, onde publico um belo poema do autor niteroiense, acabará por acreditar que o poema seja de Luiz de Gonzaga.
Ei-lo:
“Nós dois, à beira d´água azul, silente,
de um calmo lago onde ninguém morasse,
eu, calentando o coração fremente,
tu espalhando a palidez na face.
Longe dos filtros maus e dos venenos,
em meio à doce calmaria agreste,
a ouvir Pomona soluçar mil trenos
em louvor de uma tarde azul celeste.
Perto de uma fonte quérula e magoada
que palmilhasse um leito sem escolhos,
onde eu fosse beber a água filtrada,
quando secasse a linfa dos teus olhos.
Fora um rosal que reflorisse em Maio
para aureolar-te a cabecita loira,
nossas bocas unidas num desmaio
como se a vida um longo beijo fora!
Meu peito quente... minhas mãos tão frias
quanto o teu peito... e tuas mãos tão quentes!...
murmurando baixinho as salmodias
tristorosas dos Jobs e dos descrentes.
Eu em ti, tu em mim, vivendo, em suma,
vida de um só, que o Amor floriu e quis,
tendo na boca um tato que resuma
o olhar. o cheiro e o som da harmonia feliz!
- Então, minha alma triste e penitente,
talvez Felicidade te incensasse,
te ela nos visse, à borda azul, dormente,
de um calmo lago onde nem Deus morasse!"
A Semana de Arte Moderna, de 1922, tentava pôr abaixo o sólido edifício parnasiano, com uma guerra aberta e declarada ao poeta fluminense Alberto de Oliveira e seus amigos, embriagados da antiguidade clássica. Mário, que propunha uma arte genuinamente brasileira, com violações intencionais à gramática normativa, chamava-os de “passadistas”.
Em Niterói, porém, um grupo de poetas com tendências pós-românticas e pós-simbolistas, com exceção de Luiz Leitão e Nestor Tangerini, que seguiam a forma parnasiana, mas com conteúdo modernista – somando a seus sonetos as inspirações trovadorescas [Cantigas de Escárnio e Maldizer] e neoclássica [apelando para a sátira], tomava de assalto o histórico e famoso Café Paris, edifício que resiste ao tempo, onde escreviam e recitavam seus veros.
A nós, fica a dúvida: “Pelas mãos de Colombina”, é um poema de Gonzaga ou do nordestino Medeiros? Ambos transitavam entre o romantismo e o simbolismo e selecionavam palavras chave, iniciando-as com letras maiúsculas.
A dificuldade de identificar o autor do texto, que faz referência, também, à era clássica, uma vez que, na mitologia romana, Pomona é a deusa da abundância, muitas vezes confundida com Deméter, deusa da agricultura, repousa no fato de o poema estar publicado sem o nome do poeta com letra de forma em folha de papel que pode ter sido retirada de um livro [talvez de uma Antologia] - podendo ainda conter a hipótese de ser alguma folha solta de uma brochura literária.
Deixo para os estudiosos a missão de desvendar o autor do poema.
Boa sorte!
Ilustra a crônica o quadro Pomona, de Nicolas Fouché.
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