SINOS DE OUTONO

O entardecer sombrio cobria a cidade quando o outono começava seu ritual e na velha catedral, sinos badalavam compassados, como se estivessem sentindo o cansaço morno da estação que iniciava. Na janela aberta para a rua, com os olhos tristes que se alongavam para a esquina, esperando vê-lo passar ou quem sabe, vislumbrar sua silhueta entre as pessoas que passavam.

Todas as tardes ele caminhava pela calçada ali, naquela rua, passos rápidos nem percebia a janela onde a moça se debruçava.

E todas as tardes, ela repetia o mesmo ritual do banho em água tépida que acariciava seu corpo enquanto se deixava levar pelos pensamentos. A figura daquele homem elegante, estatura mediana, olhos e cabelos castanhos, andar firme e decidido, e ela nem sabia o seu nome. Mas mesmo assim, se perfumava toda com as mãos trêmulas, apressadamente se enfeitando a frente do espelho embaçado pelas horas de enlevo onde uma flor era colocada nos cabelos para logo após, ser atirada e esquecida em algum lugar qualquer. E a espera se misturando aos soluços abafados que saiam do peito, dolorido, ofegante deixavam rolar as lágrimas quentes da dor e do desamor.

Os dias foram passando e este mesmo espelho reflete agora uma imagem distorcida, enrugada pelos poucos meses de espreita na janela e um corpo frágil pela espera malograda.

O semblante amargurado, sem marcas do riso, refletem agora só as marcas da angústia que o tempo deixou e no peito o coração carrega a dor, despedaçado pelo sofrimento.

No outono sombrio ele veio naquela rua, passou apressadamente pressentindo algo estranho, coração acelerado dirigiu-se até a igreja. Ao chegar, suas pernas enfraqueceram, pelo corpo todo um arrepio de morte, no olhar ansioso viu aquele rosto pálido, duramente adormecido, inerte, gelado.

Quase não acreditava no que via, era ela, a mulher por quem todas as tardes ia procurar na catedral, pois certa vez, os olhos de ambos se cruzaram e foi só por alguns segundos, tempo suficiente para que seu coração se apaixonasse mas não se viram mais, ela havia desaparecido. Indagou a uma pessoa próxima ao corpo o que acontecera. - Um tumor no pulmão direito, os médicos fizeram o possível mas quando descobriram já era muito tarde.

Foi a resposta que ouviu.

Acompanhou o cortejo junto aos desconhecidos e na velha catedral o último badalar dos sinos, anunciaram o adormecer de uns olhos tristes na janela!

LÍVIA M MASCARENHAS
Enviado por LÍVIA M MASCARENHAS em 06/12/2020
Reeditado em 11/07/2021
Código do texto: T7128989
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