Festa de Nossa Senhora do Rosário
Esta crônica retorna aos primeiros anos do período republicano para descrever traços históricos de São Sebastião do Paraíso, Sudoeste Mineiro, destacando a festa de Nossa Senhora do Rosário, realizada em outubro de 1892. A segunda matriz sede da paróquia local tinha sido inaugurada em meados da década anterior, substituindo a primeira matriz que foi destruída no grande incêndio ocorrido em 31 de agosto de 1879. Desde os sombrios tempos da escravidão, a referida festa acontecia todos os anos na Igreja do Rosário, demolida em 1952, por decisão do poder público municipal, com o nebuloso argumento de que se necessitava construir um prédio para instalar a primeira rodoviária da cidade. Trata-se do prédio onde hoje funciona a Biblioteca Pública Municipal, ao lado da Escola Municipal Campos do Amaral.
A Igreja de Nossa Senhora do Rosário, que não mais existe foi construída provavelmente na década de 1870 e simbolizava a cultura popular e as antigas tradições africanas preservadas pelos escravos que trabalharam na abertura das primeiras fazendas de café do município. Fragmentos dessa história cultural africana em São Sebastião do Paraíso estão na obra da escritora paraisense Anajá Caetano, neta de escravos africanos, que tem seu nome na história da literatura brasileira. Autora do romance histórico intitulado “Nega Efigênia, Paixão do Senhor Branco”, ambientado em fazendas de café do município, publicado em 1966.
A principal motivação para escrever sobre a festa religiosa de 1892 é uma bela foto que registra a movimentação no largo que havia em frente à igreja, onde todos os anos se realizava a novena consagrada à padroeira dos escravos. Publicada na página Hemeroteca do Facebook, que há tempos contribui na preservação da memória local. Trata-se de uma imagem feita por antigo processo fotográfico chamado daguerreótipo, e restaurada para compor o acervo organizado por Jaime Francisco Guedes Carvalhais. A preservação dessa foto revela assim uma história iniciada no acervo mantido, nos meados do século XX, pelo joalheiro Napoleão Joele, colecionador de objetos e documentos antigos e grande incentivador da preservação do patrimônio histórico de São Sebastião do Paraíso.
Conforme consta no jornal católico “O Apóstolo”, do Rio de Janeiro, de 4 de outubro de 1891, todos anos acontecia na então capital da República, a festa de Nossa Senhora do Rosário, realizada no dia 18 de outubro, com o encerramento da novena consagrada aos padroeiros dos escravos africanos Nossa Senhora do Rosário, São Benedito e Santa Efigênia. No caso de São Sebastião do Paraíso, a festa realizada na mesma data, contava os participantes dos ternos de Congada e de Moçambique. Tinha-se o costume de erguer três mastros de madeira com as bandeiras dos três santos, ao lado do cruzeiro que havia no largo em frente à pequena Igreja. A mesma festa também acontecia em várias outras cidades do Brasil com novena, procissão e com as manifestações culturais de origem africana.
Em 10 de maio de 1892, o jornal Minas Gerais noticiou que a câmara municipal de São Sebastião havia deliberado em favor da concessão de privilégio ao coronel Francisco Adolpho de Araújo Serra para exploração por 25 anos de uma estrada de ferra, que jamais foi construída, partindo da divisa om o município paulista de Santo Antônio da Alegria, passando pela sede do município de Paraíso e pelo povoado do Espírito Santo do Prata até alcançar a divisa com o município de Passos. Essa deliberação ilustra o momento de ascensão política do partido republicano que tinha como oponente os políticos conservadores emergentes no final do regime monárquico. Foi nesse contexto que a cidade começou a mostrar sinais de sua potencialidade econômica, resultado da expressiva produção de café que a tornaria, três décadas depois, em um dos principais polos de desenvolvimento da região. Que riqueza material sirva também para preservar a memória e a história da querida terra natal. A antiga Igreja do Rosário não existe mais no plano material, mas continua existindo no plano conceitual como símbolo de resistência das mais antigas manifestações das raízes culturais africanas na cidade.