BOA  NOITE,  BRASIL!

Se havia uma pessoa batuta e divertida, era seu Hamilton, sogro do meu irmão mais velho. Gostava demais de uma prosa, e vivia de bom humor. Marido da dona Zedê, uma mulher extraordinária e à frente do seu tempo. A casa deles, na Brigadeiro Franco, vivia repleta de amigos, que eram recebidos todos na sala íntima, onde mantinham a TV ininterruptamente ligada, sempre com o som baixinho - quase inaudível eu diria - mas que era o elemento principal da decoração, com sua telona de trocentas polegadas.
Certa noite, fui levar um convite – se não me engano de formatura do meu filho mais velho - e como de costume, lá estavam eles na sala íntima, desta feita assistindo o programa “Boa Noite Brasil”. Pela primeira vez na vida percebi o som mais elevado que o de costume, e o enorme interesse do seu Hamilton em acompanhar o que estava rolando na tela, ao ponto de nem dar muita importância à minha presença. Aquietei-me pra também prestar atenção. O apresentador portava um vistoso telefone e discava um número qualquer do nosso imenso Brasil. Tocou algumas vezes, quando alguém do outro lado da linha atendeu e já foi dizendo:_”Boa noite Brasil!”. Era a frase-chave pra ganhar o prêmio! Fizeram uma grande festa no estúdio, o Gilberto Barros exclamava:_”Ganhou! Ganhou! Ganhou o prêmio da noite, de tantos mil cruzeiros..!!!”.
E seu Hamilton ali sentado, feliz da vida, vibrando que só ele. Segredou-me:_”Sabe, Nine, tenho uma intuição que uma noite dessas meu telefone vai tocar e vou ganhar uma fortuna. Não perco um programa!”. Eu conhecia um pouco de estatística, e aproveitei o ensejo pra tentar detonar sua credulidade, demonstrando que havia tantos milhões de números telefônicos no país, e que a chance de ser escolhido o telefone dele era pequeníssima, praticamente zero. Ele não se deu por vencido:_”Pois não acredito nessas bobagens de estatística. Alguém vai ser sorteado, e por que não posso ser eu? Minha chance é igual a dos outros! Acho que vale muito o pensamento positivo, e isso tenho de sobra!”. Consenti com um sorriso tolerante, e pensei comigo mesmo: (_“Sorte dele estar tão bem instalado, porque pelo menos vai esperar confortavelmente sentado pelo resto da sua vida...”).
Dia vai, dia vem, meses depois ligo a TV, e quem está lá com um belo telefone na mão? Isso mesmo, o Gilberto Barros. Estava na iminência de discar o número sorteado. Na mesmíssima hora, me lembrei do seu Hamilton, que deveria estar em sua casa torcendo pra ser o felizardo da noite. ”Que boa hora de tirar uma casquinha com ele, mas não seria falta de respeito? Hehehehe, acho que não..!”. E liguei pra ele, sem desligar a TV. Fui discando simultaneamente com o Barros. Por um raro lance de sorte, tudo aconteceu na cronologia exata. Tocou umas três vezes, e seu Hamilton atendeu. Não respondeu nada, ficou em silêncio por vários segundos – creio que pra testar se a ligação era mesmo do programa ou se era algum trote. De minha parte, eu ali fazendo um esforço tremendo pra não rir. Até que ele vislumbrou a possibilidade de perder o prêmio se continuasse calado, e disse baixinho:_”...boa noite brasil...”. Eu fui cruel:_”Como disse, meu senhor, não escutei direito...”._”BOA NOITE BRASIL!!!”...ele gritou do outro lado da linha. Hahahahaha, foi muito engraçado! Daí eu falei:_”Boa noite Brasil nada, seu Hamiliton, aqui é o Nine, viu como é difícil ser sorteado?”. Ele riu sem graça, então troquei rapidamente de assunto, falei um pouco de automóveis e um tanto de futebol, antes de me despedir.
Ficou um bom tempo chateado comigo. Sei disso, apesar de ele nunca ter dito nada. Mas depois se soltou novamente, jantamos juntos, conversamos e nos divertimos. Se ele continuou acompanhando o programa? Não me pergunte, por favor, isso é outro assunto, sinceramente não sei, e nem quero saber.
Marco Esmanhotto
Enviado por Marco Esmanhotto em 05/12/2020
Reeditado em 05/12/2020
Código do texto: T7128224
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