Quem manda na sua vida?

Nesta semana, um fato doméstico provocou profundas divagações. Uma dona de casa muito querida reclamava de um dia exaustivo, e eu perguntei à ela o que tanto fez com que ele ficasse assim. Ela me contou das diversas coisas que tinha feito, claramente muitas e necessárias, mas com algo em comum. Todas foram atividades que ela escolheu fazer de determinado jeito e tudo no mesmo dia. Eu perguntei por que ela tinha se imposto tantas coisas. Ela ficou de início brava “porque tem de ser feito”. Depois ficou pensando sobre isso. E aí, quem ficou refletindo fui eu, sobre o quanto as pessoas acham que não decidem sobre suas vidas.

Muitos creem que tudo que acontece é porque Deus quis assim. Pode até ser, o grande problema é que Ele fala com bem poucas pessoas, então quem crê normalmente segue uma religião, onde humanos dizem o que acham que Deus ensina. Fui batizado e cheguei à primeira comunhão na igreja católica, acreditando um pouco nisso. Com o tempo deixei de crer em seus padres, na Igreja, na Bíblia e até em Jesus. Hoje sou um agnóstico, creio que haja um Deus, mas não o vejo como o de nenhuma religião, é uma crença só minha, estou bem assim. Outros estão bem seguindo fielmente religiões e seus rituais. Qualquer que seja sua situação, o fato é que ninguém o obriga a crer ou a viver conforme prega a religião, e nenhuma divindade lhe dirá o que fazer. O limite do poder de Deus e das religiões é sua crença. Então, não é Deus, nem alguma religião que manda na sua vida, você crê neles e os segue se quiser.

Será que o governo manda na sua vida? Alguma coisa, sim. Ele faz leis que todos deveriam seguir (quase não há infratores hehehe) e propõe políticas públicas que a maioria da população deve crer, pois o elegeu. Porém, sempre haverá dissidentes. Durante a ditadura militar, houve os que se exilaram para não obedecer, os que faziam músicas de desafio, como o grande Chico Buarque, e os que protestavam na PUC, que nem invadida se calou. Havia respeito e medo, nunca houve unaminidade. Tampouco houve nos oito anos de governos tucanos, sempre teve quem não o aceitou. Os governos petistas chegaram a ter 80% de popularidade. Ainda assim, tinham oposição, que acabou por derrubá-los. Hoje temos um louco na presidência, há apoiadores que o idolatram, mas tem gente como eu, que tento o máximo possível sequer ouvir o que diz, nunca consideraria seguí-lo. Mesmo leis, a escolha de obedecer ou não também é sua. Pode haver consequências de desobedecer, a decisão de correr ou não os riscos também é você quem toma. E há ainda a possibilidade de morar em outra cidade ou país. O limite do poder do governo é fazer leis e propor politícas, não consegue impor muito. Então, o poderoso governo não manda na sua vida, você obedece às políticas públicas e leis se quiser.

Talvez quem mande esteja bem mais próximo, seja o seu chefe. Ele pode estabelecer o que você deve fazer, seu horário de trabalho, suas metas, esse cara manda muito. Será? Quem escolheu trabalhar para um chefe não foi você? Se não quiser se sujeitar a isso você pode empreender (e ter o mais exigente dos chefes, o cliente), pode mudar de emprego, ou pode negociar com seu chefe novas condições de trabalho. O limite do poder de um chefe é te demitir. Então, seu chefe não manda na sua vida, a menos que você se acorrente a um emprego.

Não vamos ignorar as pessoas mais próximas de todas, a família. Essa sim manda quase tudo enquanto somos crianças. Digo quase porque até o bebê quando chora desafia essa autoridade. A partir de uns 14 anos, ninguém mais manda em você. As decisões de se vai à escola, trabalhar, à balada ou mesmo se vai viver com sua família são suas. Tudo tem consequências e viver sem família é das coisas mais sofridas que existem. Mas há casos em que sair de casa, mudar de companheiro ou companheira, ou até ir viver fora de sua cidade podem ser mudanças necessárias para sua felicidade. Sim, a família é uma grande coisa e na maioria das vezes, viver com ela é o melhor. Porém, o limite do poder da família é você aceitar ou não continuar com ela. Então, mesmo a família não manda na sua vida, a menos que você escolha que sim.

A historinha do início teve final feliz. A dona de casa em questão pensou sobre o assunto e no dia seguinte saiu no meio do dia para passear. Surpreendentemente, a família não sofreu com não ter almoço, nem com não ter a roupa passada; a casa da qual ela é dona - embora às vezes pareça o contrário - não se revoltou, nem virou um cortiço; o governo não a multou; e o Deus em que ela crê não reclamou de sua desídia temporária. A consequência da decisão foi apenas um dia mais feliz para ela mesma. Nem sempre pode ser tão fácil e agradável, muitas vezes é possível e a escolha é sua.

É você e só você que toma cada decisão do que fazer com seu tempo, as infinitas escolhas que toma num dia e definem a maior parte da vida, tipo vou ali, vou comer, vou dormir, vou ao banheiro. Muitos podem influenciar, e muitas vezes você poderá escolher seguir o que alguém manda. Mas a escolha final é sempre sua. As situações em que alguém pode te obrigar a algo na vida são transitórias. Mesmo os presos decidem o que fazem na maior parte do seu tempo. Se quer ser feliz, faça o máximo do que quiser e o mínimo possível do que não quer, mas acha necessário para algo que deseje. Use sua liberdade de decidir e seja feliz!




Inspiração: trecho de "V de Vingança", de Alan Moore

 
Paulo Gussoni
Enviado por Paulo Gussoni em 04/12/2020
Reeditado em 06/12/2020
Código do texto: T7127929
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