Minha terra, minhas gentes...(o olongo e a chimpanzé Minokas)

Um impenetrável mistério, e ainda algo mais a descobrir na nossa Angola? Ou será que, por tudo de tão real, lindo e forte gravado nas nossas memórias permanece, e permanecerá eternamente ?!

Lembranças ainda tão presentes da nossa África, Angola, minha cidade Moçâmedes e de meus amigos! A plenitude total de luz, céu quente aos fins da tarde, noites estreladas e madrugadas serenas, o primeiro sol da manhã e frutas maduras , aroma do café na vastidão de belas terras vermelhas, o vigor dos imbondeiros, palmeiras com dendém e coqueiros ...

E os cheiros? Odores das compotas de papaia, caju, mangas, goiabas. Um mundo doce e puro de cheiros e sabores sem fim!

E tantas outras recordações... Muitos de nós conviveu , por um período maior ou menor, com animais selvagens dentro de casa na maioria das vezes facilmente domesticados pois eram tratados como domésticos. Um dia meu pai chega a casa com uma carrinha( pick up) e algo na carroceria. Muito emocionado nos chama para ajudá-lo a remover o presente que ali estava. Mal podíamos acreditar! Havia algo embrulhado num pano escuro e uma cabecinha espreitando... Era um olongo( um antílope), quase que recém nascido mas já de pernas enormes, longas e esguias que o fazia do nosso tamanho. Ali estava o nosso olonguinho, como o chamamos por um bom tempo. Arranjou-se um espaço reservado para ele no quintal da casa, mas na hora das mamadeiras de leite fazíamos questão de levá-lo para a salinha de costura onde achávamos poder alimentá-lo com mais conforto. Mas, era uma tarefa difícil! Até lá chegar escorregava algumas vezes na cera do corredor e eram pernas para todo o lado. Era muito engraçado. Ríamos que nem perdidos. Até hoje não sei como aquilo lhe acontecia sem um único arranhão. O olonguinho crescia rapidamente, a olhos vistos, e ficou muito maior do que nós. Foi com muita tristeza que o vimos partir um dia. Nunca soubemos para onde foi levado. Apenas nos foi dito que ele estava doente, com diarreia , e que teria de ser tratado.

Mas as estórias mais engraçadas aconteciam com macacos , chimpanzés e gorilas criados que nem gente dentro de nossas casas; assim foi foi a aventura vivida por uma amiguinha de infância, a Cila.

Aos 5 anos de idade Cila teve tosse convulsa( coqueluche) , época em que sua mãe estava de 6 meses de gravidez. Seria muito imprudente ter por perto alguém com um problema de saúde tão contagioso e então a minha amiguinha foi passar uns tempos numa fazenda da Huíla/Sá-da-Bandeira, na casa de uma família amiga, os Pinto Ramos.

Chegaram ao final da noite e Cila foi levada para seu quarto onde a deitaram, já adormecida. Os primeiros raios de sol a entrar pela janela, com aquela claridade linda que só o planalto da Huíla tinha e Cila acordou numa grande cama de casal .Ao lado dela uma havia uma cama menor. De repente escuta um som estranho, olha atentamente para o lado e o que vê? Uma chimpanzé deitadinha, quase de seu tamanho e ainda com cara de sono, a balançar-se e a olhar para ela atentamente . Era a Minokas a querer brincar já ao nascer do sol. Apressada na apresentação salta para cima da Cila e começa aos pulos Que susto! Cila deu um grande grito e veio socorrê-la uma senhora que estava no quintal; imediatamente tirou a Minokas de cima dela.

Era preciso acalmar aquele estado de euforia da chimpanzé e foram passear pela fazenda de jeep. Minokas adorou sua nova amiga e não queria mais sair de perto dela. Aquele primeiro passeio foi memorável ; Cila na frente e a Minokas no banco de trás mas ela não queria assim. Rapidamente pulava para a frente, mas como ficava apertado e bem desconfortável Cila saltava para trás. E assim foi esse troca-troca por todo o trajeto até que a família perdeu a paciência e foi permitido que Cila ficasse em definitivo atrás, junto à sua nova amiga. Que felicidade! Minokas pegou-lhe a mão, fez-lhe uma festa na cabeça e assim selaram uma amizade que durou vários meses. Tinham-se uma à outra e viveram momentos divertidíssimos , juntas : passeavam a ver as vacas a pastar no pasto, ( grandes amigas), roubavam milho cozido do papagaio que respondia imediatamente aos palavrões ... e, a Cila sempre nas costas da amiga.Era assim que passavam o dia. Cila nas "cacundas" da Minokas!

A simpática chimpanzé era tratada como gente, alguém da família, e como tal nem à hora das refeições era esquecida. Tinha um lugar marcado à mesa, e no seu quarto tinha a sua cama sempre arrumadinha, sua banheira e sua roupa num canto do armário.

Era uma chimpanzé feliz .Cila só a via zangada quando chegavam visitas à fazenda e, para não assustá-los ela era amarrada no quintal. Ficava furiosa. Atirava com tudo que estava à sua volta e gritava ofendidíssima ao ver-se naquela situação de animal.

Assim se passaram alguns meses até que o irmãozinho de Cila nasceu e ela pode voltar para Moçâmedes.Sentiu muitas saudades e apesar de nunca mais ter voltado à fazenda nunca deixou de saber noticias pois as famílias eram amigas e estavam sempre em contato.

Infelizmente Minokas tornou-se agressiva quando atingiu a maturidade e teve de ser afastada da casa. Foi levada para um Zoo . Cila ficou muito triste quando soube .

“ Como a Minokas , criada como a filha mais nova da família Pinto Ramos, poderia ser feliz num lugar que lhe era completamente estranho?”- perguntava-se ela.

Mas valeu a recordação linda de momentos inesquecíveis na companhia de uma querida chimpanzé criada como gente.

Lana

Lady Lana
Enviado por Lady Lana em 04/12/2020
Reeditado em 05/12/2020
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