ELES SEMPRE GANHAVAM GAITINHAS...

(Pequenos contos de natal)

O retângulo da janela moldurava o menino. Naquela noite morna , ele tocava uma gaitinha de boca.

Sentia-se pleno ! Feliz !

[ "Papai Noel" , que todos os anos trazia-lhe sempre a mesma coisa, caprichara desta vez.O presente deixado sob a cama, viera num rico estojo de veludo cor de vinho. ]

As notas reproduziam-se harmoniosas numa tentativa de tocar uma canção natalina.

Cheio de orgulho aquele coração aprendiz, espiava um céu borrifado de estrelas que descia como que fora um manto negro salpicado de strass.

O vilarejo mergulhava numa paz infinita, e as constelações faiscavam seguindo a cadencia dos acordes da gaitinha.

Na velha estrada de chão, as comadres em suas melhores vestes, buscavam a casa da parteira.

[ Era ali o encontro de sempre ]

Reinava uma perene alegria naqueles compartimentos onde a gargalhada sonora da dona da casa, harmonizava-se ao riso discreto do esposo.

Pinheirinho e presépio num canto da sala, luz de velas, brilho nos olhos , falas mansas...

Chegavam abraçadas a pequenos embrulhos , compartilhados assim que os ponteiros acenassem a meia noite.

Na simplicidade do vilarejo, a noite era de gala. Jesus nasceria em cada coração, em cada casa modesta.

Nas paredes rústicas ungidas de afetos da moradia da parteira, alguns retratos abriam seus melhores sorrisos .

Tremulavam luzes de velas na sala daquela casa amarela com janelas azuis espreitando o pé de manacá num canto do jardim.

Piscavam estrelas ao longo dos quintais por onde cantavam os galos.

Alheio a tudo...O menino tocava...Tocava...

Sem noção do tempo, rasgava a mais bela das noites com acordes que supostamente seriam de uma canção natalina.

Seus ouvidos hospedavam as vozes das mulheres reunidas em torno do presépio.

[ Os ecos pareciam-lhe vir do além...]

"Doooorme em paz, Oh! Jesus...Dooorme em paz , Oh! Jesus...!

E , naquela "Noite Feliz", também o menino que tocava

para as estrelas, adormecera na soleira da janela.

Acordado de súbito, espiara o céu uma vez mais e atirou-se na cama.

Quando despertou...

A manhã raiada no frescor do arvoredo , invadira sua janela carregando o odor adocicado das gabirobeiras, o perfume das acácias , o cheiro apetitoso dos assados.

Entranhados na mata os sabiás gorjeavam nos bicos a boa nova:

Era natal !

Jesus, que "dormira em paz" embalado nas vozes do coral improvisado, despertara cheio de ternura para afirmar que, apesar de tudo, ainda acreditava nos homens.

Então, na manhã azulada, os meninos da vizinhança pisavam o sol na estradinha de chão batido.

De roupas e sapatos novos, e com olhares de brilhos renovados, selavam acordos de velhas amizades , compartilhados à bolo de chocolate.

Pouco a pouco o trecho ia-se enchendo de sonoridade.

Todos empunhavam animados os seus presentes.

Afinal...

Eles sempre ganhavam gaitinhas de boca.