Quando a nossa casa deixa de ser nossa*
Estranhamento é, de forma bastante simplista, a sensação de não mais pertencer a uma determinada realidade. É começar a enxergar as coisas com um agudo senso crítico por não mais se identificar com aquilo.
Estranhar é sentir-se mais fora do que dentro do mundo (ou realidade) onde vivemos.
Venho abordar este tema hoje porque cada vez mais me sinto assim em relação ao país onde vivo e, principalmente, à sociedade que o integra.
Sem entrar em meandros sócio-antropológicos, pois é natural que a paciência da maioria dos leitores se esgote na segunda linha, vou tentar escrever sobre isto enquanto “sentimentos que geram anseios para um futuro ainda distante”.
Em outras palavras, a pergunta que volta e meia faço a mim mesmo é “é aqui que gostaria que meu filho crescesse?” ou então “como suportar a supremacia da ignorância deste país sem mandar tudo à merda?”.
Duas respostas vêm a minha mente de forma automática. A primeira é tornando-me um alienado que buscará viver dentro de sua pequena bolha pelo maior tempo possível sem pirar; e a segunda é indo para algum lugar do mundo cujas diretrizes e concepções de mundo condigam mais com as minhas do que as que hoje regem o Brasil.
Estou falando de conceitos acerca da comunidade LGBT, cuidado com a natureza, bom uso de recursos naturais, uso inteligente da ciência na melhoria da vida das pessoas, sociedade menos desigual, cultura inclusiva, uso da política para realmente melhorar a sociedade como um todo, etc.
No Brasil de hoje, nada ou quase nada dos itens que citei é abundante. Pelo contrário, há uma caça desenfreada de diversos setores políticos e econômicos para exterminar visões de mundo discordantes da “maioria” ou ainda, um trabalho sistemático para silenciar vozes questionadoras. E a lista “oficial” de detratores encomendada pelo governo federal é a prova mais contundente de que este país não quer cidadãos. Ele quer massa de manobra.
E chegamos então à razão do título desta postagem, pois é assim que me sinto lendo notícias e assistindo ao desmonte total de políticas responsáveis por mudar o panorama social de um escopo mais abrangente para outro cada vez mais exclusivista, focado principalmente em eximir o Estado da sua responsabilidade de cuidar de todos os seus cidadãos sem distinção de absolutamente nada.
Penso todos os dias no país para onde levaria minha família para viver uma vida mais justa e mais livre. Tenho algumas preferências, umas bem pertinho e outras mais distantes, mas o fato é que talvez eu jamais pensasse nisto se o Brasil fosse, apenas, mais justo e mais respeitoso.
Um lar é um lar de verdade quando todos são tratados da mesma forma, mas sobretudo quando todos percebem e sentem todos os dias que são respeitados por serem quem realmente são.
Jefferson Farias
*Publicado originalmente em https://ocronistainutil.wordpress.com/2020/12/02/quando-a-nossa-casa-deixa-de-ser-nossa/