Bolsodoria diz que é "antiextremista" e "antipopulista"

Hoje (02/12), a Folha de S. Paulo publicou entrevista com o governador de São Paulo João Doria. Lá pelas tantas, ele respondeu ao repórter:

"As conversas não devem estabelecer prévias. Devem ser amplas e abrigar todos que aceitarem dialogar pela formação de um centro democrático para um projeto de um novo Brasil. Não pode ter censura prévia, esse sim, esse não, por alguma circunstância no passado."

Depois, o entrevistador o questionou acerca da estabilidade que o "Centrão (sic)" garante ao governo Bolsonaro. Bolsodoria tergiversou e aproveitou para posar de democrata:

"O melhor arranjo pelo Brasil é a defesa da democracia, o desapego a ideologias, a partidarismos sectários. Não personalizo antagonismos políticos. Sou um antiextremista, antipopulista, anticorrupção."

A estratégia do governador de São Paulo é bem clara. A ideia é querer convencer a nós, eleitores, que a disputa eleitoral é na verdade um pleito entre "democratas x antidemocratas" ou entre "centristas x extremistas ou populistas". Ele sonha em encabeçar uma chapa do suposto "centro democrático" contra a extrema-esquerda e a extrema-direita. Bolsodoria quer ser o "Joe Biden" brasileiro. Ao dizer que "não personalizo antagonismos políticos", ele nitidamente cai em contradição, porque está se pondo como um antagonista de partidos e figuras tidas por ele como radicais.

O que seria o tal "centro democrático"?

Ao falar em "desapego a ideologias", Doria recorre ao discurso da antipolítica. O centro além de "protetor da democracia", seria despojado de ideologias. Além disso, trata-se de um ajuste de retórica segundo a tendência política atual: a imprensa hegemônica considera o "centrismo" como o maior vencedor das eleições municipais de 2020. Ele, então, entende que este modelo pode ser replicado em 2022.

A partir da fala de Bolsodoria, o conceito de "centro democrático" é vago. Mas a rigor não existe "centro" puro na política. Imagine uma linha reta. Há um ponto no centro que divide a reta em dois lados: esquerda e direita. Existem partidos que estão mais próximos e podem relativamente se aproximar ainda mais deste centro, no entanto o ponto é inalcançável.

Aquilo que a imprensa chama de "Centrão", por exemplo, é um aglomerado de partidos mais alinhados à direita. MDB, PSDB, DEM, entre outros, são partidos de centro-direita. Há uns que são mais afastados do centro que outros, mas todos estes estão do lado direito do espectro político.

A proposta de criar um "centro" puro e defensor da democracia é pura conversa marqueteira, que pode ser pega na contradição na mesma entrevista. Em um momento, Doria disse ao repórter:

"Todos os nomes que possam formar o centro democrático e colaborar para um projeto devem fazer parte. Inclusive [Sergio] Moro."

Quer dizer que o sr. Sergio Moro, que foi ministro do extremista de direita Bolsonaro, é bem-vindo no tal "centro democrático" que se diz contra os extremismos? Como o eleitor pode justificar uma coisas dessas numa mesa de boteco?

E os partidos supostamente de "centro" que hoje garantem segurança ao governo de Bolsonaro, serão bem-vindos também ao "centro democrático"?

É curioso (para não dizer outra coisa) quando, na entrevista, Doria se diz "antiextremista, antipopulista, anticorrupção".

Ora, eu não estou chamando o governador de São Paulo de "Bolsodoria" à toa.

Na última eleição presidencial, Doria estava colado com Bolsonaro. Quando ainda era candidato, disse que no seu governo a polícia "ia atirar para matar", replicando o discurso bolsonarista e apologista da violência policial que atinge, sobretudo, negros.

Mesmo depois de todas as barbaridades ditas pelo atual presidente, inclusive na campanha de 2018, Doria não sentiu nenhum constrangimento em usar do nome "Bolsodoria", na intenção de surfar na "onda bolsonarista" do mesmo ano.

Hoje quer posar de "antiextremista" e "antipopulista"? Só vai enganar incautos.

(E se dizer "anticorrupção" não faz sentido, pois não existe ninguém pró-corrupção.)

Doria "formalizou" seu rompimento com Bolsonaro no início de 2020. Em artigo publicado em janeiro na Folha de S. Paulo, ele não citou o nome do presidente, porém disse rejeitar "aventuras autoritárias". Uma indireta. Como se Bolsonaro tivesse se tornado autoritário só no ano passado! Todavia, o afastamento não é apenas por isso. Trata-se de uma disputa por hegemonia eleitoral no campo da direita. E o bolsonarismo está mais enfraquecido e mais rejeitado. Portanto, não tem mais utilidade ao governador paulista. Hoje Doria quer posar de "centrista", não porque realmente seja (como eu disse não existe centrista puro), mas porque no momento é conveniente.